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Inverno de 1965. Foto: Arquivo

O que é inverno rigoroso? Não existe um critério estabelecido em literatura técnica de clima que defina se a estação fria do ano é rigorosa ou não. O que pode ser um frio rigoroso para um, pode não ser para outro. O conceito passa muito por percepção pessoal. Um critério objetivo que, contudo, pode ser adotado é o desvio da temperatura em relação às médias históricas. Se um inverno tiver junho, julho e agosto com temperatura abaixo ou muito abaixo da média pode se enquadrar na ideia de ter tido grande rigor.

Frio intenso constante no Rio Grande do Sul e no restante do Sul do Brasil não é a regra. Muito pelo contrário. O normal da estação no Sul do país é ter alternância de períodos frios com outros amenos e até quentes com maior frequência de dias de temperatura alta em agosto, embora às vezes dias quentes possam ocorrer mesmo nos meses de junho e julho.

A última vez em que o inverno registrou temperatura abaixo da média nos seus três meses (junho a agosto) em todo ou grande parte do Rio Grande do Sul foi em 2007, ou seja, há 15 anos não se tem uma estação que pelo critério da temperatura média possa ser definida como muito fria. Em 2007, a Argentina experimentou um dos mais gélidos da sua história e foi o ano em que a cidade de Buenos Aires teve neve com acumulação depois de oito décadas.

Nestes últimos 15 anos, contudo, mesmo em anos que tiveram apenas ou mesmo nenhum mês de inverno com temperatura abaixo da média não deixaram de ocorrer grandes e históricas ondas de frio como, por exemplo, 2013. Em 2013, o Rio Grande do Sul teve em agosto a maior nevada neste século no Estado. O agosto de 2013 terminou com temperatura muito abaixo da média no Rio Grande do Sul, mas foi precedido por um julho de temperatura perto da normal histórica e foi o mês da grande nevada em Santa Catarina e no Paraná. Foi uma das maiores nevadas em décadas no Sul do país. Em junho de 2013, a Metade Sul gaúcha anotou temperatura abaixo da média e a Norte acima.

Outro ano frequentemente recordado por frio intenso e neve é 2000 pela sua grande onda de frio de julho com duas potentes massas de ar frio em sequência, uma reforçando a outra já muito intensa. Em 2000, junho teve temperatura perto ou abaixo da média na maior parte do estado gaúcho. Julho, por óbvio, foi mês com marcas muito abaixo do normal, apesar de poucos dias antes da grande onda de frio ter feito um dia de forte calor. Agosto teve temperatura abaixo da média em quase todo o Estado, ou seja, assim como 2007, pode se dizer que 2000 teve uma estação rigorosa.

Se depender das projeções dos modelos numéricos, o inverno deste ano não se enquadrará no conceito de rigoroso pelos três meses com temperatura abaixo da média. As mais recentes saídas dos modelos de clima não indicam o trimestre inteiro teria marcas abaixo das normais históricas. Tanto o modelo de clima norte-americano como o europeu projetam um junho com temperatura abaixo da média na maior parte do Sul do Brasil. Julho é indicado como perto da média pelo europeu e acima pelo norte-americano. E ambos apontam agosto com marcas acima da média.

Como a história demonstra, mesmos nestes anos em que os três meses não acabam fechando com temperatura inferior à média histórica podem ocorrer eventos extremos de frio e mesmo históricos. Julho do ano passado não foi mês muito frio na média e teve temperatura superior às normais históricas em parte do território gaúcho, mas anotou na última semana frio extremo e a segunda maior nevada neste século no Rio Grande do Sul.

Médias podem mascarar episódios extremos porque grande parte de um mês pode ter temperatura acima do normal e uma onda de frio de uma semana trazer frio incomum e grande quantidade de neve. Agosto, em 1999, terminou com parte do Rio Grande do Sul com marcas acima das normais históricas, mas no meio do mês houve um intenso evento de frio de curta duração que produziu uma significativa nevada nas áreas de maior altitude do Estado. Em 1965, no mês de agosto, uma nevada impressionante cobriu a Metade Norte gaúcha de branco e chegou a nevar com grande acumulação em cidades pouco acostumadas ao fenômeno, como Cruz Alta e Ijuí. Em Lagoa Vermelha foi tanta neve que o evento ficou conhecido como “flagelo branco”. Apesar disso, grande parte do território gaúcho terminou o mês com temperatura perto ou acima da média.

A esmagadora maioria dos eventos extremos de frio na história gaúcha ocorreu sob condições particulares como La Niña ou em anos de Oscilação Decadal do Pacífico (PDO) negativa, e 2022 tem neste momento as duas situações presentes. Desde março, ademais, análogos históricos sugerem uma probabilidade maior de episódios extremos de frio.

La Niña

O inverno começa o fenômeno de resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial ainda atuando. Desde 1999, a primeira semana de junho não apresentava condições de La Niña com tamanha intensidade nesta época do ano. O outono foi de La Niña mais intenso desde 1950 com o índice ONI apresentando valor de -1,1, o que não se observava no trimestre março a maio desde 1950, quando foi de -1,2. Historicamente, a La Niña favorece invernos mais frios ou não necessariamente rigorosos, mas com intensas ondas polares.

PDO

A Oscilação Decadal do Pacífico (PDO, na sigla em Inglês) é outra variável que aponta para um maior ou menor risco de frio mais intenso no nosso inverno. O valor de maio foi -2,30, o menor desde 1999 que registrou -2,32. Nas últimas décadas, conforme dados da NOAA, valores tão baixos em maio somente foram observados nos anos de 2022, 1999, 1975, 1972, 1965, 1952, 1950, 1910, 1894, 1893, 1892, 1880 e 1859.

Análogos históricos

Na virada de março para abril, uma massa de ar frio trouxe as menores mínimas em décadas em algumas cidades gaúchas para a época do ano. Nos últimos 60 anos, o episódio de frio do fim de março deste ano teve paralelo em 1964, 1976, 1990, 2000 e 2012.

Em 1964, no geral, o inverno daquele ano foi muito frio com temperatura abaixo a muito abaixo da média em grande parte da América do Sul. Apesar disso, não foi um inverno em que a neve tenha se destacado. Em 1976, os três meses da estação apresentaram temperatura abaixo da média na maioria das áreas do Centro-Sul do país. Julho e agosto, em particular, tiveram grandes desvios negativos de temperatura, mas, de novo, não foi inverno que teve neve abrangente.

Em 1990, mais uma vez o inverno foi muito frio. E, novamente, julho foi o mês mais marcante em termos de temperatura baixa com anomalias fortemente negativas. Foi muito mais frio do que o normal especialmente no Oeste da Região Sul, no Mato Grosso do Sul e em parte do Mato Grosso. Foi ano de muita neve com registros em maio, junho, julho, agosto e setembro. O fenômeno foi observado em muitas cidades e foi mais forte no mês de julho. Já 2000, como se destacou, foi marcado por enorme onda de frio no mês de julho.

E, em 2012, o inverno não foi rigoroso e agosto acabou excepcionalmente quente. Em junho, poderosa onda de frio trouxe marcas abaixo de zero em quase todo o Rio Grande do Sul e até em Torres, no Litoral Norte. Campo Bom, na Grande Porto Alegre, teve o seu recorde de mínima com -1,8ºC desde o começo das medições em 1984. Muitas cidades gaúchas registraram suas menores mínimas para junho em décadas e algumas desde 1916.

Em maio deste ano, um enorme, intensa e incomum onda de frio para os padrões de maio foi responsável por trazer temperatura baixa em 17 estados brasileiros e o Distrito Federal. No Brasil Central, o frio o maior no mês desde 1977. A cidade de São Paulo teve a menor mínima no mês desde 1990. Entre 1990 e 2022, somente havia se registrado frio semelhante ao deste ano, além de 1990, em 1999, 2000, 2004 e 2007. Os análogos de 1990 e 2000, assim como no frio de março, se repetiram e apareceram 1999 e 2007, anos ou de inverno rigoroso ou com eventos extremos de frio.

O outono na Argentina foi o mais frio desde 1976 e no ranking dos mais frios apareceram 1965, 1984, 1988 e 2007. O inverno de 1976 foi rigoroso do Sul do Brasil, 1965 teve nevada histórica no Sul do país em agosto, 1984 foi de outra grande nevada em agosto e o ano da neve em Porto Alegre, 1988 foi marcado por grandes nevadas no Sul brasileiro e 2007 foi de um inverno muito frio e a neve na cidade de Buenos Aires.

Alguns destes anos estão na lista dos de menor PDO em maio como 1965. Outro ano de PDO muito negativa no fim do outono e o começo do inverno foi 1975 e um recente evento extremo no Brasil remeteu a este ano. Recife experimentou a maior tragédia pela chuva desde 1975, ano de uma poderosa onda de frio na mesma data da chuva no Nordeste e que trouxe forte nevada e geada devastadora no Centro-Sul do Brasil.

A grande questão é saber se o grande evento extremo de 2022 já ocorreu, no caso o de maio, ou ainda está por ocorrer um segundo ou terceiro. Modelos de clima, como enfatizado, podem antecipar meses mais frios ou quentes, mas mascaram eventos extremo de frio em meses de temperatura perto ou acima da média. Com base nas múltiplas variáveis e análogos, contudo, o risco de episódios potentes de ar polar é maior em 2022 que na maioria dos anos. Grande parte dos análogos, porém, data de uma fase do clima mundial em que o planeta estava menos quente e este é um fator que não pode ser ignorado.

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