O envolvimento em manifestações contra o resultado do pleito de 2022 e pela derrubada do governo eleito tornou 87 gaúchos réus no Supremo Tribunal Federal (STF) até o momento. Eles respondem por delitos relacionados aos atos de 8 de janeiro em Brasília.
Os 55 homens e as 32 mulheres estão divididos em dois grupos:
- oito deles, que foram flagrados invadindo ou depredando prédios públicos, são acusados de associação criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado e podem pegar, se condenados, penas que podem chegar, em alguns casos, a 24 anos de prisão.
- os outros 79, por estarem acampados em frente a quartéis (como o QG do Exército, no Setor Militar Urbano de Brasília, apelidado de “Forte Apache”), protestando e pedindo intervenção militar, respondem por incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal, cuja pena é de três a seis meses de detenção) e associação criminosa (artigo 288 do CP, pena de um a três anos de reclusão).
O levantamento foi feito pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI), com base em cruzamento de dados do STF e da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape).
Todos os réus estariam envolvidos nas manifestações do início do ano, quando as polícias Militar, Civil e Federal e unidades do Exército prenderam 1.406 pessoas por atos antidemocráticos, dos quais 105 são gaúchos.
Dos rio-grandenses, 59 foram recolhidos em penitenciárias e 46 obrigados a usar tornozeleira eletrônica, num primeiro momento. Depois, vários dos enviados a presídios foram liberados, também mediante monitoramento eletrônico.
Até o momento, 1.176 detidos em janeiro, dos mais diversos Estados, viraram réus, ou seja, foram denunciados pelo Ministério Público Federal e serão julgados pelo STF.
Os gaúchos que respondem às acusações mais graves
Dos processados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, oito gaúchos enfrentam as acusações mais graves (associação criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado). Eles foram flagrados dentro das dependências de prédios públicos que estavam sendo vandalizados e estão enquadrados nos seguintes artigos do Código Penal:
- 359-M – tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, com pena prevista de quatro a 12 anos de reclusão;
- 359-L – tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, pena de quatro a oito anos de reclusão;
- 288 – associação criminosa armada, pena de reclusão de um a três anos, aumentada da metade pelo uso de armas;
- 163 – dano qualificado, seis meses a um ano de detenção;
- 165 – dano em coisa de valor histórico, pena de seis meses a dois anos de detenção;
Todos, nas audiências judiciais, negaram ter participado da depredação. Dos oito que já viraram réus (abaixo), seis seguem presos desde o dia dos fatos.
Ainda presos, por tentativa de golpe de Estado:
Eduardo Zeferino Englert, 41 anos
Radicado em Santa Maria, é empresário. Nas redes sociais, às vésperas do 8 de janeiro, publicou: “Estou indo para Brasília, neste país lugar melhor não há”.
Conforme seu advogado, Marcos Azevedo, Englert não tem envolvimento em depredação e isso pode ser provado por geolocalização do celular do preso. Ele teria ido até a entrada do Palácio do Planalto para ajudar manifestantes que estavam machucados. Acabou detido, foi denunciado e virou réu.
— Eduardo é um preso político, um trabalhador, um sujeito pacífico. Ele estava na rampa do palácio, tirando fotos com militares do Exército, quando desceu foi preso pela PM. Não é um militante, embora tenha suas preferências políticas — diz o advogado, que teve habeas corpus para soltar o cliente negado pelo STF.
Jorginho Cardoso de Azevedo, 61 anos
Gaúcho, mudou ainda criança para o Paraná. Morador de São Miguel do Iguaçu (PR), está preso desde 8 de janeiro e virou réu. É empresário. Conforme suas redes sociais, lida com pesquisa de água mineral e criação de gado. Procurado, um de seus filhos não quis se manifestar.
Marcelo Soares Konrad, 45 anos
Preso desde 8 de janeiro, assim como a mulher dele, Jaqueline Konrad, 37. Ambos viraram réus por tentativa de golpe de Estado. O casal mora em São Martinho. Eles atuam como investidores financeiros. Conforme familiares, os Konrad saíram da cidade e foram até Santa Rosa para pegar um ônibus de manifestantes que iriam realizar protesto contra o resultado das eleições, em Brasília.
Segundo relato de familiares e moradores de São Martinho, o casal Konrad não teria envolvimento com a política. Irmão de Marcelo, o servidor público Flávio da Luz, 52, afirma que o irmão e a cunhada são inocentes, que apenas foram até a capital federal para protestar. Ele conta que não conseguiu falar com irmão desde a prisão, mas que, de acordo com o que foi repassado à família pelo advogado do casal, os dois não participaram de nenhum ato de depredação.
— O que nós sabemos é que os dois estavam na rampa e que houve um confronto com a polícia, com gás de pimenta. Então, para fugir, eles acabaram entrando no Palácio do Planalto. Depois, foram presos. Meu irmão nunca faria nada de depredação — relata Flávio.
Um dos advogados do casal, Marvius Dornelles Remus, reforça que eles saíram em excursão para um protesto que seria pacífico. Quando chegaram na capital federal, os dois teriam ido para QG do Exército, mas que, devido ao grande número de pessoas, acabaram indo almoçar em outro lugar de Brasília.
Ainda conforme o relato do advogado, o casal chegou atrasado para o início do protesto e, no momento que se aproximou, já encontrou o Palácio do Planalto depredado.
— Eles acabaram em uma armadilha, pois já haviam depredado tudo e eles começaram a filmar o que viram. Quando a Polícia Militar chegou e começou a jogar gás lacrimogêneo, acabaram entrando no Palácio para fugir. Foi então que foram presos. Esses vídeos estão sendo usados contra eles, mas os dois não participaram de nenhuma depredação — afirmou o defensor.
Jaqueline Konrad, 37 anos
Presa desde 8 de janeiro, é ré com o marido, Marcelo, que também está preso.
Miguel Fernando Ritter, 59 anos
Preso desde 8 de janeiro, virou réu. Sócio proprietário de uma empresa que vende peças para lojas automotores, é morador de Santa Rosa. No interrogatório, informou à polícia que chegou ao Distrito Federal no dia 8 de janeiro e tinha planos de retornar em 9 ou 10 daquele mês. Ele relatou que estava próximo ao Palácio do Planalto quando avistou uma pessoa parecida com um colega no alto da rampa. Ao ir ao encontro do homem, percebeu que não era seu conhecido.
Em seguida, viu alguns soldados do Exército no interior do prédio e adentrou para tentar conversar. Afirma que se sentiu seguro no local, até que começaram estouros de bomba e, em seguida, “chegaram policiais grandes, de preto” e deram voz de prisão para todos que estavam lá dentro. Em sua defesa, Ritter afirma que já estava tudo depredado quando chegou ao local.
Filha de Ritter, a advogada Gabriela Ritter assegura que o pai é íntegro, honesto, um homem que trabalhou na roça desde os oito anos e nunca teve vinculação político-partidária.
— Meu pai, assim como outros, fugiu das bombas. Não depredou patrimônio. Pessoas como ele serão julgadas por um juiz parcial, que já manifestou por diversas vezes em suas redes sociais sobre os atos de 08/01. Isso é gravíssimo.
Lucas Schwengber Wolf, 36 anos
É natural de Santiago e morador de Três Passos. Arquiteto e urbanista, chegou ao Distrito Federal em 8 de janeiro, em um ônibus que saiu de Santa Rosa.
Em depoimento à PF, disse ter ido a Brasília por vontade própria, sem pagar nada pelo transporte, para “se manifestar contra o cerceamento do direito de expressão, inclusive virtualmente, que vem acontecendo”. Afirmou que nem sequer almoçou no dia dos protestos, mas sabe que havia comida no acampamento disponível para os manifestantes, e que não sabe e nem ouviu dizer quem estaria financiando água e alimentos para as pessoas.
Wolf admitiu que foi com um grupo para a Praça dos Três Poderes, que viu e filmou pelo celular pessoas depredando prédios públicos, sendo que é “totalmente contra isso”. Por ser contra, teria enviado mensagens para um grupo no WhatsApp como forma de “manifestar sua indignação contra tais atos de vandalismo”.
Ele diz que continuou filmando e entrando em um dos prédios, mas não sabe dizer qual edifício era. Ao entrar, testemunhou depredações, “mas a maior parte do estrago já tinha sido feito”. Wolf informou que apenas entrou nos prédios de “curioso”.
Ao depor, o manifestante declarou ter visto os depredadores abandonando o prédio. Ele afirmou não ter causado qualquer dano ao patrimônio público e declarou também que não conhece as pessoas que depredaram prédios públicos. Disse não ser defensor do ex-presidente (Jair Bolsonaro) e se manifesta “contra a falta de liberdade de expressão”.
A última postagem aberta de Wolf no Facebook é uma foto dele, pilchado e com chapéu gauchesco, enrolado numa bandeira do Brasil, em frente ao Congresso Nacional, no dia 8 de janeiro. Depois, na rede social dele, internautas postaram uma foto do arquiteto, algemado, sentado no chão e sendo imobilizado por policiais. Segue detido.
Em liberdade, mas que respondem por golpe de Estado:
Luiz Gustavo Lima Carvalho, 40 anos
Foi preso em flagrante, mas responde em liberdade. É vigilante, morador de Caxias do Sul. A reportagem tentou contato, mas ele não respondeu ao pedido de entrevista.
Sonia Teresinha Possa, 65 anos
Foi detida e solta ainda no 8 de janeiro, devido à idade. É de Erechim, mas está radicada no Paraná. Viveu em Santa Terezinha do Itaipu e em Curitiba. Não respondeu a contato telefônico.
* Fontes: Supremo Tribunal Federal (STF) e Secretaria de Administração Penitenciária (Seape) do Distrito Federal
Participe do nosso grupo de WhatsApp!
https://chat.whatsapp.com/BN0NbQqN69nDsuijpjE2Sp
Gaúcha ZH