A adoção de um animal silvestre virou caso de polícia em Montenegro, no Vale do Caí. Um gambá batizado de Emílio e com mais de 150 mil seguidores nas redes sociais foi apreendido em ação policial no último dia 6. Ele estava há um ano e sete meses na residência da fotógrafa Schanacris Braga, 37 anos, que o adotou ainda filhote.
A apreensão do animal ocorreu após uma denúncia anônima. Polícia Civil (PC) e a Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram) de Montenegro participaram da ação. Conforme a PC, Schanacris é investigada por maus-tratos e por manter um animal silvestre em casa sem autorização. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirma que o gambá estava obeso. O animal está sob responsabilidade da autarquia federal em Porto Alegre.
Após a apreensão, a fotógrafa ingressou na Justiça com um mandado de segurança para ter o animal de volta. A moradora de Montenegro diz ter entrado em contato com a patrulha ambiental quando encontrou o gambá no pátio de casa.
— Ele estava machucado, quase morto. Liguei para a Patram de Montenegro, pedi ajuda, falaram que não iam fazer nada. Não poderia pegar um filhote e jogá-lo no mato de volta. Dei alimentação, ele foi cuidado e amado. Não sou traficante (de animais). Minha cidade está toda ao meu lado — diz Schanacris.
O tenente-coronel Rodrigo Gonçalves dos Santos, comandante do Comando Ambiental da BM, diz que a patrulha ambiental desconhecia o chamado alegado e que o relato de Schanacris não é a postura adotada pelos policiais:
— Em uma situação como essa, nosso protocolo é o encaminhamento do animal para um centro de triagem de animais silvestres. Não sabemos quando ela falou com a patrulha ambiental. Nós não sabíamos dessa situação.
Milhares de seguidores
Schanacris compartilhava a rotina de Emílio nas redes sociais: são mais de 150 mil seguidores no Tik Tok. O vídeo no qual é relatada a apreensão do animal tem 925 mil visualizações. Ela conta que decidiu criar os perfis como um meio para divulgar informações.
— Há muito preconceito sobre eles (gambás), são mortos a pauladas. Comecei a fazer vídeos para mostrar que são lindos, fofinhos, não fedem — resume.
Schanacris diz que a alimentação do animal tinha como base rações de gato e cachorro, ovos cozidos e frutas, dieta que foi indicada por uma veterinária. Segundo ela, as refeições eram controladas pelo fato de o animal não caçar e ter uma rotina de pouca interação com pets da casa. Isso, segundo ela, fazia com que ele fosse “gordinho”.
Se querem ficar com ele, que fiquem: só me deixem vê-lo, por consideração por quem o salvou e criou
SCHANACRIS BRAGA
Moradora de Montenegro que adotou Emílio ainda filhote
— É normal (sobrepeso) quando é bem cuidado. Ele ficava solto entre a casa e o pátio, mas gostava mesmo de ficar na caminha dele, dava uma caminhadinha, tinha uma vida solitária, não interagia com outras pessoas a não ser comigo e meu marido — afirma.
Uma petição para que o animal seja devolvido à moradora de Montenegro já recebeu 2,6 mil assinaturas. Schanacris diz que tem tentado reaver o gambá “por todos os meios legais”:
— Se querem ficar com ele, que fiquem: só me deixem vê-lo, por consideração por quem o salvou e criou. Não sou criminosa. Se errei em alguma coisa, foi por ser leiga, na inocência, não por maldade. Nunca ganhei dinheiro com ele. Espero que tenham um pouquinho de empatia.
O que dizem as autoridades
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estabelece quais animais podem ser domesticados sem precisar da autorização do órgão. A lista tem 49 espécies; o gambá não está entre elas. Veja aqui a lista completa.
Após o resgate, Emílio foi levado para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Porto Alegre, uma unidade de recebimento de animais do Ibama.
— Ele está em obesidade mórbida, não consegue fazer um caminhar minimamente normal. Ele já tem problemas de quadris pelo excesso de peso. Está de dois a três vezes maior do que é normalmente o peso desse animal. Provavelmente está diabético — disse Paulo Wagner, chefe do Cetas, ao G1.
Conforme a Polícia Civil, a situação verificada no dia da apreensão configura crime ambiental pelo fato de a moradora manter em casa um animal silvestre sem autorização legal. Por isso, um termo circunstanciado foi confeccionado no dia da ação policial.
No momento, o inquérito espera um laudo para atestar se o gambá foi vítima de maus-tratos. Essa avaliação será feita pelo Projeto Preservas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas não há um prazo para conclusão do trabalho.
Ele está em obesidade mórbida, não consegue fazer um caminhar minimamente normal
PAULO WAGNER
Chefe do Centro de Triagem de Animais Silvestres
— Há a possibilidade de ter animal silvestre em casa, sim, mas tem que ter uma autorização, precisa ser obtido de um criador específico, autorizado pelos órgãos de fiscalização. Se a pessoa localizar um animal silvestre, ela não tem que levar para casa: não é um pet, não é animal de estimação como um cachorro ou um gato — esclarece a delegada Samieh Saleh, titular da Delegacia do Meio Ambiente (Dema), que investiga o episódio.
A delegada conta que o caso foi informado por meio de uma denúncia anônima. Os agentes iniciaram diligências nos perfis mantidos pela moradora de Montenegro, acompanharam postagens e transmissões ao vivo feitas nas redes sociais. Segundo Samieh, a situação é similar ao do caso Filó, uma capivara tratada como animal de estimação no interior do Amazonas.
O influenciador Agenor Tupinambá foi multado em R$ 17 mil com base no decreto 6.514/2008, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/1998), por práticas relacionadas à exploração indevida de animais silvestres para a geração de conteúdo em redes sociais. A multa, nesses casos, é de R$ 5 mil a R$ 500 mil. Agenor Tupinambá, porém, conseguiu decisão judicial favorável e obteve a guarda da capivara.
— A diferença é que a capivara estava livre. O gambá ficava trancado dentro da residência da suspeita. O mais grave é a utilização desse animal nas redes sociais. Ela (Schanacris) tem mais de 150 mil seguidores no Tik Tok e fazia inúmeras lives mostrando o animal, incentivando que outras pessoas pegassem animais silvestres, mantivessem nas suas residências, ou seja, ela incentivava que outras pessoas cometessem crimes — conclui a delegada.
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