Listados em maioria no ranking das 10 cidades do Rio Grande do Sul que mais cresceram entre 2010 e 2022, os municípios do Litoral Norte representam qualidade de vida e tranquilidade para aqueles que decidiram viver perto do mar nos últimos anos. Mas esse aumento significativo da população gera desafios para as prefeituras, que precisam se adaptar para atender um número maior de demandas relacionadas à saúde, educação e infraestrutura.
De acordo com dados do último Censo Demográfico, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em junho de 2023, as cidades de Imbé, Capão da Canoa, Arroio do Sal, Balneário Pinhal, Cidreira, Xangri-lá e Tramandaí ganharam, juntas, mais de 59 mil moradores desde 2010.
Em números absolutos, o maior crescimento ocorreu em Capão da Canoa, que recebeu 21.554 moradores, um incremento de 51,27%. O Censo, segundo a prefeitura, apenas confirmou um cenário que já era observado no município.
— Isso a gente consegue ver pela própria secretaria da saúde, da educação. A gente está vendo bastante o reflexo desde o ano de 2022. Ano passado já foi mais populoso também. Muitas dessas pessoas que vieram para o município já pagavam IPTU. Agora, começaram a usufruir desse investimento — aponta o secretário de Orçamento e Finanças de Capão da Canoa, Newton Júnior.
É o caso da bancária Jane Lopes, de 54 anos, proprietária de um apartamento no bairro Navegantes desde 2012. No início da pandemia, encontrou no Litoral uma possibilidade de circular com mais segurança. Com visitas cada vez mais longas e possibilidade de seguir o emprego em home office, decidiu se mudar de vez.
— Quem passa o inverno aqui se apaixona. Passar o inverno aqui é muito melhor do que passar o verão até. Os restaurantes continuam, as lojas continuam funcionando, as clínicas com bons médicos funcionam também. Então, a gente tem todos os recursos aqui que nos atendem. Eu acabei migrando definitivamente e só vou a Porto Alegre quando tenho compromissos lá — justifica.
Morando na praia, Jane conta que consegue manter uma rotina com mais qualidade de vida. Pegar o carro só em deslocamento mais longos para outras cidades. Como o Litoral em geral é plano, consegue resolver compromissos próximos a pé ou com uso de uma mobilete elétrica.
Em dias secos, o chimarrão na beira-mar no início da manhã é praticamente uma obrigação. E a rede usada para descanso e leitura, muitas vezes também é utilizada como ambiente de trabalho com o notebook. O benefício maior, no entanto, é a sensação de um clima interiorano em uma cidade com todos os serviços.
— A gente tem várias pessoas que são aposentadas, tem casais que vêm de vez em quando, duas vezes por mês, tem outros que moram. Essas pessoas chegam aqui leves, tranquilas, sem aquela correria. Então, é coisa de a gente trocar uma mensagem e combinar o chimarrão, de ir almoçar na casa um do outro, de fazer uma carninha assada. Aqui tem vizinho que faz um bolinho e bate na porta para oferecer um pedaço. São hábitos que em Porto Alegre a gente não vivencia mais por causa da correria — avalia.
Melhoria dos serviços urbanos
Por conta do crescimento, a prefeitura de Capão da Canoa afirma que ampliou serviços de educação e saúde públicas, inclusive nos distritos. Além da região central, o município ainda é responsável por áreas como Capão Novo, Arroio Teixeira e Curumim, que da mesma forma tiveram suas populações ampliadas.
— Nós abrimos mais um posto de saúde 24 horas em Capão Novo. Até então, era de oito horas e a gente ampliou para atender o fluxo dos distritos e não exigir esse deslocamento até a cidade. Tem escolas que estão sendo construídas e outras que conseguimos ampliar também. Então a gente está empenhado para atender esse pessoal que veio residir em Capão e quem vem futuramente — promete o secretário Newton Júnior.
Jane, no entanto, aponta ainda a necessidade de melhoria nos serviços de limpeza e poda de árvores também na baixa temporada, além de buscar a criação de escolas técnicas e superiores, como um Instituto Federal.
Tramandaí
O segundo município do Litoral Norte que mais ganhou moradores entre 2010 e 2022, considerando números absolutos, foi Tramandaí. A cidade recebeu 12.802 novos habitantes, saindo da marca de 41.585 para 54.387 — o que representa aumento de 30,79%.
Entre eles, estão Silvio Américo Flores, 59 anos, e Roberta Halmenschlager, 41, que trocaram o tumulto de Porto Alegre por Tramandaí em 2021, em busca de mais qualidade de vida e tranquilidade. Dono de um apartamento na região central, o casal está de mudança para um imóvel mais próximo da Beira-Mar.
Optamos por morar no Litoral pela qualidade de vida, pelo custo de vida e por uma logística melhor.
SILVIO AMÉRICO FLORES
Empresário
— Optamos por morar no Litoral pela qualidade de vida, pelo custo de vida e por uma logística melhor. É uma cidade menor, onde você pode desfrutar das coisas. Tramandaí não é mais como antigamente, o pessoal usava a praia só para veraneio, hoje é uma cidade grande. E muitos amigos meus vieram também morar no Litoral para conseguir uma qualidade de vida melhor — destaca o empresário.
O casal vendeu a casa que tinha na Capital, mas a empresa de Silvio permanece lá. O empresário garante que consegue trabalhar à distância e que se acostumou muito rápido com a mudança de cidade, por isso, até estranha e sente a diferença quando vai para Porto Alegre:
— Para mim, foi a melhor coisa que me aconteceu em termos de qualidade e de saúde, poder respirar um ar melhor, ter convívios e amizades tranquilas. Aqui eu tenho muitos amigos, e, hoje, não saio mais do Litoral. Só que faltam algumas coisas em Tramandaí, não tem aquela estrutura toda que poderia ter e tem muita coisa para melhorar.
Além da falta de estrutura, Flores aponta a necessidade de ter mais saneamento, principalmente na temporada de verão, quando a população da cidade aumenta ainda mais, e de melhorar os serviços de saúde. De acordo com o empresário, nesta época do ano, há também um problema frequente de falta de energia elétrica.
A qualidade das vias é citada como outro ponto a melhorar pelo casal Nereu Vieira, 88 anos, e Elisabete Vieira, 68. Diferentemente de Silvio e Roberta, eles ainda moram em Porto Alegre, mas planejam ficar cada vez mais tempo em Tramandaí, até que a mudança seja definitiva e passem apenas a visitar a Capital.
Nereu e Elisabete também apontam a qualidade de vida e a tranquilidade como motivos que os levam a optar pelo Litoral. O casal já possuía um imóvel próprio na cidade e, agora, comprou um novo, menor e com vista para o mar.
— Nós éramos de Torres, mas se me perguntar por que Tramandaí, é pela distância. É mais perto para ir (para Porto Alegre) e voltar, é metade da distância. E eu sigo trabalhando na Capital. Nessa época de veraneio, fico três dias lá e quatro dias aqui. Mas ela fica direto. O plano é inverter a situação que temos hoje e ficar mais tempo aqui, mas mantendo o apartamento de lá — explica Nereu, que atua na área financeira.
— Aqui eu posso fazer minha caminha na Beira Mar, posso fazer mais exercícios. Lá (na Capital) já está ficando meio apertado para nós — acrescenta Elisabete.
Investimentos no município
O prefeito de Tramandaí, Luiz Carlos Gauto, comenta que, quando se mudou para o Litoral, há cerca de 24 anos, toda a região era muito sazonal — ou seja, recebia um grande número de pessoas na temporada de verão e, em março, ficava praticamente deserta. Hoje, garante que os municípios têm “vida própria” o ano inteiro. Em sua avaliação, a pandemia impulsionou o acréscimo populacional que já vinha sendo percebido no decorrer dos anos anteriores.
— Agora, percebemos que as pessoas passaram a comprar apartamentos e casas. O setor imobiliário aqueceu e isso tem sido muito bom, porque a economia do município não tem mais essa estagnação na baixa temporada, que é o inverno, que sempre foi uma situação muito complicada para nós em relação a emprego e renda. Hoje, nós temos geração de empregos e, para nós, isso é muito importante — ressalta o prefeito.
Conforme Gauto, o aumento da população é sentido pelo recolhimento de lixo, pelos atendimentos na área da saúde e pelas vagas em escolas de Ensino Fundamental e em creches. Tramandaí conta com sete creches, somando mais de mil vagas, que ainda não são suficientes para atender toda a demanda de crianças, afirma:
— Estamos trabalhando para aumentar as salas de aula. Agora estamos concluindo mais uma escola, que vai atender mais de 600 crianças. Construímos uma escola de Educação Infantil para 400 crianças. Temos o campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e temos outras universidades aqui no nosso Litoral. Isso foi um grande passo também para o crescimento das cidades.
O prefeito destaca ainda que há projetos para abrir mais três postos de saúde, que se somam às quatro unidades que já funcionam na cidade e à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que atende quase 400 pessoas por dia. Tramandaí deve ter também mais uma creche e uma escola de turno integral. Além disso, haverá novos investimentos em ruas, asfaltos e praças.
— Avalio que nós já estamos preparados, mas sempre temos um olhar para a frente também. Porque o crescimento demográfico não pode nos pegar despreparados. Uma das medidas futuras é a implantação da rede de esgoto cloacal. Isso nós temos que ampliar, porque além da saúde pública, temos que nos preocupar com o ecossistema — finaliza Gauto.
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Gaúcha ZH