A maioria dos adolescentes brasileiros (81,3%) tem dois ou mais fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, como problemas cardiovasculares e diabetes. Isso é o que revela um estudo recente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado no periódico BMC Pediatrics, que avaliou o estilo de vida dos jovens considerando hábitos alimentares, atividade física, tabagismo, entre outros.
Os autores usaram dados do principal inquérito nacional de vigilância de fatores de risco em escolares, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), que contou com a participação de 121.580 adolescentes com idades entre 13 e 17 anos, de escolas públicas e privadas em todo o país. Os jovens responderam a questionários com perguntas sobre sete variáveis: consumo de frutas e vegetais, ingestão regular de refrigerantes, doces e álcool, prática de exercícios, sedentarismo e tabagismo.
O principal fator de risco detectado foi a falta de atividade física, já que 71,5% dos entrevistados se exercitam pouco. Além disso, mais da metade (58%) não ingere a quantidade adequada de frutas e verduras, e um terço (32,9%) consome doces como balas e chocolates em excesso. A pesquisa também observou que 17,2% abusam de refrigerantes e 28,1% do álcool. Uma minoria (6,2%) é fumante.
Não houve diferença entre alunos de escolas públicas e privadas. Os resultados foram um pouco melhores nas zonas rurais; já a região Sudeste é onde os jovens mais apresentaram dois ou mais fatores de risco.
— A gente esperava um cenário ruim, mas não tanto. Sabe-se que o estilo de vida está entre as principais causas dessas doenças e apenas 3,9% dos jovens não têm fatores de risco, enquanto 9% apresentam todos os sete — diz a enfermeira Alanna Gomes da Silva, primeira autora do estudo e residente pós-doutoral na Escola de Enfermagem da UFMG.
— Os resultados não surpreendem, mas assustam. Isso é o que temos visto nos últimos anos, principalmente nos grandes centros urbanos, com crianças e jovens apresentando uma qualidade de vida cada vez pior. Tanto que os adolescentes de hoje são mais doentes do que os de 40 ou 50 anos atrás — avalia o cardiologista pediátrico Gustavo Foronda, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Há vários motivos por trás da mudança de hábitos.
— A violência urbana, por exemplo, impacta a atividade física, já que as crianças deixam de brincar na rua, em praças ou parques, e passam a depender de atividades orientadas, como aulas de esporte, ou ser sócias de clubes, e isso não é acessível a todos — afirma o médico do Einstein.
O uso de eletrônicos, como celulares, tablets e videogames, é tolerado pelos pais como uma forma de distração e de deixar as crianças mais tranquilas. Já a facilidade de acesso a produtos ultraprocessados acaba prejudicando a qualidade alimentar.
— Hoje é mais fácil montar um lanche com salgadinhos e suco de caixinha, por exemplo — observa Foronda.
O problema é que costuma haver uma associação desses hábitos ruins – uma criança que já é sedentária pode passar horas no videogame beliscando guloseimas, por exemplo. Tudo isso impacta, inclusive, a socialização e a saúde mental.
Esse estilo de vida pouco saudável aumenta a possibilidade de doenças numa faixa etária mais precoce.
— Observamos um crescimento no número de crianças com sobrepeso, com hipertensão e colesterol alto. Mas nossa maior preocupação é porque um adolescente com todos esses fatores de risco leva a um adulto com mais fatores de risco para doenças cardiovasculares, obesidade, síndrome metabólica e até certos tipos de câncer, já que o risco dessas doenças aumenta muito quando todos esses fatores já estão presentes na infância e adolescência — relata o cardiologista pediátrico.
Hoje, sabe-se que a longevidade está associada a cinco pilares relacionados ao estilo de vida: sono adequado, alimentação saudável, atividade física regular, controle do estresse e socialização.
— Esses números nos preocupam demais porque nenhum desses pilares está sendo cumprido desde a infância para que esses adolescentes sejam adultos saudáveis. Infelizmente, as pessoas também não estão entendendo a importância desses cuidados — lamenta o médico.
Para Alanna Gomes da Silva, faltam medidas voltadas para esse público.
— É preciso promover ações que envolvam a escola, os pais e toda a sociedade e incluam questões como a merenda escolar, o acesso ao consumo de frutas e hortaliças que, às vezes, é dificultado por questões socioeconômicas — diz.
A pesquisadora alerta que é preciso estimular a atividade física tanto na escola quanto no lazer, com maior controle do uso de telas pelos pais e responsáveis.
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Gaúcha ZH