Comportamento
Foto: Freepik

Quando a criança tem dois anos, os pais não a deixam usar o escorregador do parquinho por medo de que se machuque. Aos sete, após a briga com o coleguinha, o assunto é discutido por telefonemas entre adultos. Aos 12, se o boletim escolar registra nota baixa, o clima da casa é de luto e indignação.

Já aos 25, na primeira entrevista de emprego, esse jovem vai acompanhado do pai ou da mãe, preocupados com a segurança e a performance do filho que agora precisa brincar num “parquinho de adultos” sem ter tido a chance de, na infância, se machucar lá na gangorra da pracinha do bairro.

O roteiro acima descreve a rotina dos “pais helicópteros”, como é denominada essa geração de homens e mulheres que estão sempre voando baixo ao redor dos filhos.

“A fantasia desses pais nesse desejo gigantesco de acompanhar os filhos é de que vão poupá-los, encurtar caminhos. Mas não. As crianças acabam achando que não têm competência para fazer as coisas. Isso interfere inclusive na formação da identidade”, diz Claudia Tricate, diretora do Colégio Magno e uma das participantes do Meet Point – evento promovido pelo Estadão na última quinta-feira (31), para discutir as repercussões dessa superproteção.

No dia a dia escolar, essa falta de estímulo à autonomia, percebida na primeira infância em inabilidades como não saber amarrar o tênis ou comer sozinho, ganha contornos mais sérios e sutis conforme a idade avança. “Essas crianças criadas por pais superprotetores acabam ficando desprotegidas, não sabem se defender nem se relacionar. Mesmo porque quando eram pequenas não podiam nem escolher a roupa”, acrescenta Cláudia, que também é psicóloga.

Tudo isso, não raro, desencadeia doenças mentais como ansiedade e depressão. Gustavo Estanislau, que é psiquiatra da infância e adolescência, explica que do ponto de vista biológico todas as pessoas têm um sentido de alerta que tende a se adaptar na medida em que a criança vive situação como queda de uma árvore, nota ruim na escola ou a briga com um colega. Quem é privado dessa experiência, tem esse sentido despertado de forma exacerbada com questões que surgem no decorrer da vida.

“Pais são tradutores do mundo. Se sou um tradutor assustado, falo indiretamente para meu filho que o mundo é um lugar muito perigoso, e isso gera um senso de alerta maior”, complementa. Sem experiência, muitas possibilidades de construção de autoestima são prejudicadas, o que pode desencadear até um quadro de depressão. “A criança cresce se achando pouco competente para o mundo em que vive.”

As origens

Professora da pós-graduação da Faculdade de Educação da USP, Silvia Colello explica que a expressão “pais helicóptero” deve ser interpretada na esteira de dois outros termos: geração canguru e hiperpaternidade.

A geração canguru é aquela que não sai de casa, fica na bolsa e demora para se assumir. Já a hiperpaternidade tem relação com a superproteção por conta da expectativa de criar um hiperfilho, que está sob pressão para ser perfeito. “E ele acaba se tornando um hipofilho, aquele que não sabe nem se defender, não sabe que rumo vai tomar.”

E sem dar conta de toda expectativa criada sobre ele, explica a  educadora. “Os pais entram no jogo da educação numa perspectiva competitiva. Como existe uma correlação entre criança bem sucedida e pessoas bem sucedidas, os pais querem que os filhos sejam os melhores desde que nascem.”

Muitas crianças e adolescentes crescem acreditando nessa supremacia que, em tese, garantirá um futuro promissor. Uma autopercepção questionada apenas quando já são praticamente adultos. Colello explica que, ao chegar na universidade, aquele jovem que a vida inteira foi o melhor aluno da sala, se vê entre iguais, sem ser o destaque. E, não raro, isso gera uma angústia que ele não consegue dar conta.

“Ele tem acervo de conhecimento, mas não tem maturidade emocional para viver entre iguais, trabalhar em equipe. Essa frustração tem afastado gente da universidade.”

Apesar do prognóstico complicado, é sempre possível mudar o rumo dessa jornada. E sempre é tempo para que pais e mães ajustem e revejam as rotas.

“Os pais não devem se sentir culpados, mas abertos a repensar algumas coisas”, afirma o psiquiatra Gustavo Estanislau, pesquisador do Instituto Ame sua Mente.

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O Sul