Curiosidades
Foto: Tiara Passinato / Arquivo Pessoal

Em um mundo onde a informação está disponível a um clique, poucas pessoas ainda se dedicam a manter diários físicos dos acontecimentos. Vilson Paulo Kaiper, 65 anos, de Colorado, no norte gaúcho, é uma dessas exceções.

O agricultor que vive na linha Garibaldi, no interior do município de 3,2 mil habitantes, documenta desde as variações climáticas até acontecimentos do dia a dia no campo há quase 40 anos. Por causa do hábito, ganhou o apelido bem-humorado de “guardião do tempo”.

Ele começou o primeiro caderno em 1986, depois de uma reunião de cooperativa, onde ganhou um pluviômetro, instrumento usado para medir acumulados de chuva. A partir daí passou a coletar os dados climáticos e, em 1997, esse se tornou um hábito diário. 

Mesmo com pouco estudo — Kaiper foi até o quinto ano do ensino fundamental —, o agricultor construiu um acervo com 28 agendas e 39 anos de anotações. Isso fez com que ele se tornasse uma fonte de dados sobre o clima e agricultura regionais, e até já serviu de base para cooperativas locais, pesquisadores e entidades, como Emater e Embrapa. 

— Sempre que volto do trabalho para casa anoto os preços dos produtos agrícolas, como soja, milho, trigo; o valor do dólar no fechamento da bolsa de Chicago e minhas atividades do dia. São informações que considero importantes — contou Vilson. 

A rotina de registros 

Casado com Elita e pai de Ezequiel, 36, e Camila, 33, seu Vilson trabalha na granja e na agricultura quando não está envolvido com suas anotações. A tarefa de escrever nos diários acontece todos os dias: ele sempre tira um tempo para anotar os dados de temperatura, chuva e geadas. 

Ao final de todo ano, também faz uma análise detalhada de como foram os últimos 12 meses, onde traz o total de geadas e compara os meses mais chuvosos, mais frios e mais quentes, por exemplo. Por fim, digita todas as informações e salva no computador. 

— Muitos podem falar: “é só pesquisar na internet!”. Mas ninguém tira de mim o orgulho de poder dizer “eu sei o que aconteceu em tal dia, tenho tudo anotado” — disse o agricultor, bem-humorado. 

São essas anotações que possibilitam a Vilson olhar para trás e observar uma mudança lenta, mas gradativa, no tempo. Segundo ele, o clima sempre apresentou períodos de seca e chuva excessiva, mas agora parece estar mais imprevisível. 

— Está ficando cada ano mais complicado plantar e colher — comentou. 

Dados precisos e impactos nas colheitas

Entre os dados mais relevantes registrados por Vilson estão os acumulados de chuva. Conforme suas anotações, o ano de 2002 foi o mais chuvoso, com 3.280mm, enquanto 1991 foi o mais seco, com 1.390mm. 

O mês mais chuvoso foi maio de 2024, com 747mm — de fato o período culminou na enchente que deixou mortos, desalojados e estragos na maior parte do RS. Já fevereiro de 2005 foi o mais seco, com apenas 3mm de chuva. 

O agricultor ainda mantém registros detalhados sobre as safras, incluindo os anos de maior e menor produtividade. A safra de soja de 2020, por exemplo, foi a maior da história da sua propriedade, enquanto 1991 e 2005 tiveram as piores colheitas. 

Nora de Vilson, a professora Tiara Passinato se orgulha das folhas já amareladas pelo tempo que mostram a dedicação do agricultor naquelas agendas e cadernos:  

— Toda essa dedicação, capricho e organização nos mostram que o pouco estudo não foi empecilho em sua vida profissional. Ele poderia só realizar o trabalho na lavoura, mas não. Com força de vontade e persistência, hoje seu trabalho é referência para muitas pessoas, inclusive nós familiares. 

— Tenho orgulho em mostrar esse resultado de trabalho de anos, pensado e desenvolvido por mim nos mínimos detalhes. Quero deixar esse material como auxílio para outros estudos e também como exemplo para futuras gerações — completou o agricultor. 

Veja alguns registros do agricultor de Colorado 

Abaixo, algumas das anotações feitas pelo agricultor Vilson Kaiper desde 1986:

  • Ano que mais choveu: 2002 (3.280mm)
  • Ano que menos choveu: 1991 (1.390 mm)
  • Maior estiagem: 1991
  • Primeiro semestre mais chuvoso: 2024 (2.222 mm)
  • Segundo semestre mais chuvoso: 2023 (2.307 mm)
  • Primeiro semestre menos chuvoso: 2012 (559mm)
  • Segundo semestre menos chuvoso: 2022 (597 mm)
  • Mês que mais choveu: maio de 2024 (747 mm)
  • Mês que menos choveu: fevereiro de 2005 (3mm)
  • Dia que mais choveu: 1º de maio de 2024 (253mm).

Outros registros curiosos:

  • No dia 3 de novembro de 1994, Vilson anotou que ocorreu um eclipse solar às 10h
  • O dia mais frio foi 10 de junho 2016, com -3ºC
  • O ano que menos geou foi 1998 (4 geadas) 
  • O ano que mais geou foi 2007 (26 geadas)
  • Os piores anos de colheita (safra de soja) foram 1991 e 2005
  • As safras com maiores índices de produtividades foram 2020 (a maior safra de soja da história) e 2023.

O acervo pessoal de Vilson Kaiper conta com 28 agendas.

Foto: Tiara Passinato / Arquivo Pessoal
Foto: Tiara Passinato / Arquivo Pessoal
Foto: Tiara Passinato / Arquivo Pessoal

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