
Em 2011, o cineasta dinamarquês Lars von Trier lançou Melancolia, filme que se consolidou como um dos retratos mais marcantes da depressão. No longa, Justine, interpretada por Kirsten Dunst, mergulha progressivamente em um estado de apatia. A história começa com sua festa de casamento, onde ela se esforça para parecer animada. No entanto, conforme as horas avançam, sua expressão se esvazia, as interações sociais se tornam um peso e, por fim, ela abandona a própria celebração. Nos dias seguintes, a depressão a imobiliza — Justine não consegue sair da cama, tomar banho ou se alimentar sem a ajuda da irmã.
O filme traduz visualmente o transtorno mental em sua forma mais paralisante — quando o corpo simplesmente não responde. Embora essa seja a realidade para algumas pessoas, a ideia de que a depressão se resume à imobilidade obscurece outras manifestações, dificultando o reconhecimento do problema tanto por quem enfrenta a doença quanto por aqueles ao seu redor.
“A depressão pode ter muitas faces”, destaca a psiquiatra Tânia Ferraz Alves, diretora médica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, um dos grandes desafios é que a percepção comum sobre o transtorno tende a esconder realidades menos óbvias. “Muita gente continua trabalhando, socializando e cumprindo suas tarefas diárias, mesmo travando uma batalha silenciosa contra o próprio sofrimento.”
A tristeza paralisante, segundo Tânia, é apenas a “ponta do iceberg”. A maioria das pessoas com depressão vive abaixo dessa linha — ou seja, para chegar a esse estágio, muitos sinais podem ter sido ignorados ou passado despercebidos. Um deles é a perda de interesse, que pode gerar confusão interna e dificultar até mesmo responder uma simples pergunta como “está tudo bem?”. Afinal, no imaginário coletivo, “não estar bem” costuma ser associado a manifestações extremas, como chorar sem parar ou ficar incapaz de sair da cama.
Essa perda de interesse, chamada tecnicamente de anedonia, se reflete na perda do prazer em atividades antes gratificantes, como ir ao cinema, praticar esportes, ler um livro, passear com a família ou mesmo trabalhar. “Muita gente não se descreve como ‘triste’, mas sente como se estivesse sempre sob uma nuvem cinzenta”, explica a especialista. Para quem convive com o transtorno, colocar essas sensações em palavras não é uma tarefa simples — e para quem está de fora, compreender também não é fácil.
Essa dificuldade levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a lançar, em 2013, o vídeo “Eu tenho um cachorro preto e ele se chama Depressão”, no qual a doença é representada como um cão inconveniente, sempre à espreita e drenando a energia.
No consultório médico, essa complexidade se reflete nos mais diversos relatos. Tânia lembra o caso de uma paciente que chegou dizendo que seu problema era “ter muito dinheiro no banco” — uma queixa que, à primeira vista, pareceu inusitada.
“Quando pedi para explicar, ela contou que costumava sair, ir ao shopping, viajar, mas que tudo isso havia perdido o significado. Ela disse: ‘Parei de fazer tudo isso. Não acho nada bonito nas lojas. Se cogito viajar, só consigo pensar na dificuldade de arrumar as malas. No fim, só trabalho, junto dinheiro e não usufruo de nada’”, relembra a médica. “Costumo contar essa história nas minhas aulas porque contraria a ideia tradicional do que se entende como um quadro depressivo.”
Além da perda de interesse, outros sintomas podem fazer parte do quadro depressivo:
Humor deprimido
É um estado emocional persistente de tristeza, desesperança ou vazio. A pessoa pode se sentir desmotivada, como se estivesse presa em um buraco emocional do qual não consegue sair — e isso não significa necessariamente “estar de cama”. “A maior parte das pessoas deprimidas está trabalhando, está estudando, mas está indo mal no trabalho ou na escola”, afirma Tânia.
Muita gente confunde humor deprimido com anedonia, porém são sintomas diferentes: uma pessoa pode se sentir triste, mas ainda encontrar prazer em algumas atividades. Por outro lado, é possível não se sentir triste, mas perceber que coisas antes consideradas interessantes perderam o brilho.
Negatividade
O quadro também pode vir acompanhado de sentimentos de culpa excessiva, inutilidade ou autocrítica intensa, muitas vezes com prejuízos na autoestima. A pessoa pode experimentar uma percepção distorcida de si mesma, da vida e do futuro, e frequentemente tem a sensação de que as coisas não vão melhorar.
Fadiga
Muitos indivíduos descrevem uma exaustão intensa, mesmo sem grande esforço físico. “Uma vez, um paciente me disse que era como passar o dia inteiro carregando uma mochila de 40 quilos de pedras nas costas”, conta a psiquiatra.
Alteração do sono
Dormir bem pode virar um desafio. Algumas pessoas têm insônia e passam horas rolando na cama ou acordam várias vezes à noite. No outro extremo, há quem durma excessivamente.
Alteração no apetite
A alimentação também pode ser afetada, variando entre a perda completa do apetite e o aumento descontrolado da ingestão alimentar. (Com informações do Estado de S. Paulo)
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