Estado
Foto: Renan Mattos / Agencia RBS

A redução do número de beneficiários do Bolsa Família é o mote de uma mobilização que engaja prefeituras e entidades empresariais do Rio Grande do Sul. As principais alegações são de que o formato atual da iniciativa afeta a busca por mão de obra e de que há inconsistências nos cadastros de beneficiários do programa.

De acordo com dados disponibilizados pelo governo federal, referentes ao mês de março, o RS tem 615.068 beneficiários do Bolsa Família, com repasse mensal de R$ 415 milhões. Proporcionalmente, é o quarto menor contingente entre todos os Estados. O valor médio pago a cada família é de R$ 659,04.

A ofensiva surgiu em Bento Gonçalves, onde o prefeito Diogo Siqueira (PSDB) implementou lei que prevê multa a quem usar dados falsos para acessar o programa e deflagrou uma força-tarefa para reduzir o número de usuários. Embora o Bolsa Família seja um programa federal, o cadastramento dos usuários é feito pelos municípios.

Siqueira determinou um pente-fino nos cadastros e uma busca ativa, de porta em porta, oferecendo vagas de trabalho em empresas da cidade. Desde o final de 2024, o número de beneficiários caiu de 2,2 mil para 1,7 mil. Segundo ele, em parte dos casos, a prefeitura identificou inconsistências nos dados de usuários.

— Não cortamos de nenhuma família que realmente precisa. Por exemplo, de uma mulher com quatro ou cinco filhos. Mas a gente corta com muito orgulho daquele homem que tem condições de trabalhar, que tem saúde e que poderia estar trabalhando, porque a gente dá independência para essa pessoa poder tocar a própria vida sem depender de governo — diz Siqueira.

O movimento engajou outros prefeitos da Serra, que integram a Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste. Em reunião em janeiro, representantes de 23 cidades se comprometeram a adotar medidas semelhantes às aplicadas em Bento.

A prefeitura de Bento já foi procurada por municípios do Paraná e de São Paulo dispostos a replicar a iniciativa. Em contrapartida, também foi alvo de manifestações de repúdio do Fórum Nacional da Assistência Social e do Conselho Nacional da Assistência Social e recebeu questionamentos da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal.

Diante da repercussão, o caso atraiu a atenção de empresários. A Federasul aderiu à ideia de encaminhar beneficiários ao mercado de trabalho e está incentivando associações comerciais no Interior a atuarem em suas cidades. A federação estima que ao menos 30 já tenham participação na iniciativa.

Discussão de critérios

O principal foco da investida são adultos jovens, em idade laboral, que estão fora do mercado de trabalho formal. Para isso, a mobilização visa aproximar essas pessoas das vagas disponíveis, ao mesmo tempo em que os municípios ampliam a fiscalização para verificar se a família atende aos critérios de acesso ao programa. O benefício só pode ser pago a famílias cuja renda mensal seja de até R$ 218 por pessoa.

Em paralelo, o movimento levanta a discussão sobre a revisão de critérios para o pagamento do benefício. O prefeito de Bento Gonçalves, por exemplo, defende a criação de um prazo máximo de permanência, a obrigatoriedade da comprovação efetiva da necessidade (hoje é aceita autodeclaração) e a retirada do benefício para homens solteiros e sem filhos.

— Deveria ter um prazo e a obrigação de que as pessoas que podem trabalhar, tenham que trabalhar. E o Bolsa Família tem que ser para a pessoa que tem família. Não dá para ter essa situação em que homens com saúde, maiores de idade, estejam recebendo o benefício sem ter nenhum filho em casa — afirma Siqueira.

Por sua vez, o presidente da Federasul avalia que o programa “foi expandido de forma abusiva por um critério eleitoral, tanto pela direita quanto pela esquerda” e prega uma revisão geral na documentação dos beneficiários.

— Nossa defesa é que cada prefeitura reavalie o cadastro. Queremos esclarecer à opinião pública sobre o quanto representa de prejuízo social e econômico manter pessoas que estão aptas ao trabalho no ócio. Não queremos a extinção do programa, queremos que ele volte a ser bem utilizado, como foi na origem — diz Sousa Costa.

Questionado a respeito da baixa remuneração oferecida pelo mercado a profissionais sem qualificação, o dirigente empresarial diz que esse problema poderia ser resolvido com a redução da cobrança de impostos sobre a folha de pagamentos:

— Acho perfeita a crítica. No caso de um trabalhador que ganha R$ 1,3 mil, se a gente tirasse o governo federal de cima do pescoço desse trabalhador na forma de encargos e impostos sobre a folha, ele poderia estar ganhando R$ 3,5 mil.

“A gente quer trabalhar”

Em contraponto, a assistente social Leila Thomassim, integrante da Frente Gaúcha em Defesa do Sistema Único de Assistência Social (Suas), diz que o movimento para a redução do Bolsa Família é fruto de ” um pensamento extremamente preconceituoso com relação ao programa e com relação aos pobres”.

— O programa atende a população extremamente vulnerável, é voltado às famílias com renda per capita extremamente baixa, que às vezes têm trabalho informal e outras vulnerabilidades, não apenas de renda, mas de saúde e de desemprego permanente. São públicos que, muitas vezes, não são acolhidos no mercado de trabalho — pondera.

Beneficiária do Bolsa Família há 10 anos, a dona de casa Iasmim dos Santos, de 30 anos, vive com o marido Isaías e quatro filhos no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre. Os R$ 900 mensais recebidos são fundamentais para a compra de alimentos para a família, que mora de favor e tem como principal renda os trabalhos informais de Isaías como pintor e pedreiro.

Iasmim também faz bicos, como babá ou cuidadora de idosos, mas relata dificuldade para conseguir um trabalho formal, diante da necessidade de atender os filhos e do seu grau de formação — ela estudou até a sétima série do Ensino Fundamental.

— A gente quer trabalhar, só que o serviço está bem ruim, ainda mais agora que tenho um nenê de seis meses. Para mim seria muito ruim não ter o Bolsa Família — diz a dona de casa, que além do bebê tem filhos de 10, sete e cinco anos.

Renan Mattos / Agencia RBS
Iasmim relata dificuldade para acessar o mercado de trabalho formal.Renan Mattos / Agencia RBS

Iasmim relata que o recurso recebido é usado sobretudo para a compra de mantimentos e de gás, além do pagamento das contas de água e luz.

— Ajuda bastante, mas ao mesmo tempo acaba sendo pouco. A comida tá cara, arroz está caro, o ovo, que era bem barato, está bem caro também. Seria injusto tirarem o Bolsa Família. Eles (críticos ) têm que se por no lugar da gente — completa.

A assistente social Leila Thomassim ressalta que o Bolsa Família está vinculado à melhoria de indicadores sociais, como a permanência das crianças na escola, e rejeita a hipótese de que o ingresso no programa interfira na inserção de mão de obra no mercado de trabalho:

— As pessoas recebem em torno de R$ 600, enquanto o salário mínimo é de R$ 1,5 mil. É completamente absurdo dizer que isso está relacionado à dificuldade de inserção de mão de obra. É uma população com um grau de formação mais precarizado e que não teve acesso a um conjunto de oportunidades.

O que diz o governo federal

Questionado sobre as iniciativas que visam desestimular o acesso ao Bolsa Família, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) informou que lamenta que o programa “seja alvo constante de preconceitos e campanhas de desinformação”.

“O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda condicionada do mundo, sendo referência internacional no combate à pobreza. Além de garantir renda, o Programa integra políticas públicas, facilitando o acesso das famílias a direitos básicos como saúde, educação e moradia. Além disso, permite a ascensão econômica e a interrupção do ciclo da pobreza intergeracional”, diz o MDS.

A pasta ainda ressaltou que o Bolsa Família “não incentiva às pessoas a não trabalharem” e conta com uma regra de proteção que não corta os pagamentos automaticamente. O mecanismo permite que famílias que ampliarem a renda per capita para até meio salário mínimo continuem recebendo metade do valor do benefício a que têm direito por até dois anos.

Em fevereiro, o MDS fez um levantamento sobre os 1,7 milhão de empregos gerados no país em 2024 e concluiu que 75,5% destas vagas foram ocupadas por beneficiários do Bolsa Família.

Gaúcha ZH

Receba as principais notícias no seu celular:

https://chat.whatsapp.com/DkFcLPqw5hUFY4xFSh64MW

Siga-nos no Facebook:

https://www.facebook.com/www.trespassosnews.com.br