
O seu filho adolescente seria capaz de uma monstruosidade? A maioria avassaladora dos pais diria que não, assim como o fizeram os pais de Jamie, de apenas 13 anos, na minissérie “Adolescência”, sucesso estrondoso da Netfilx. No entanto, o garoto é acusado de matar uma colega. E, ao longo de quatro episódios, surgem questões de difícil resposta: será que os pais conheciam bem Jamie? De quem é a culpa? O que havia por trás da tela que ele tanto usava?
A adolescência sempre foi uma fase misteriosa para os pais. E, na era digital, ela não está ficando mais transparente. O tempo de tela, a dinâmica das redes sociais, as agressões em grupos de mensagem ou em forma de emoji (aparentemente inocentes) num post, a dark web e os conteúdos violentos, misóginos, preconceituosos. Eles estão à solta num mundo perigoso ao qual muitos pais não têm acesso.
“A geração que hoje atravessa a adolescência é a primeira a crescer sem a memória de um mundo não digital. Uma mudança profunda, cujas consequências ainda estamos longe de entender. Com a presença maciça de meninos nas redes sociais, sua principal fonte de informação e validação, os resultados são cada vez mais visíveis”, avaliou o pediatra e colunista do jornal O Globo, Daniel Becker, em texto publicado no último domingo.
Entre eles, segundo o médico, “vemos garotos de 10, 12 anos odiando mulheres”, “recebendo constantemente conteúdos de violência extrema”, se tornando “racistas, intolerantes, fazendo apologia ao nazismo, humilhando pessoas mais pobres”, “expostos ao negacionismo”, “fazendo bullying com os mais vulneráveis”, e até “viciados em pornografia”.
Como muitos pais dos adolescentes atuais, quando Daniela Ceron-Litvoc, psiquiatra e presidente da Sociedade Brasileira de Psicopatologia Fenômeno-Estrutural, era criança, ela assistia jornal e novela com os pais na TV da sala à noite. Não tinha pornografia, violência extrema e os contextos polêmicos eram debatidos ali mesmo. A realidade era compartilhada: notícias do mundo e da vida cotidiana, humores, tudo no mesmo sofá. Hoje não é mais assim.
“As redes sociais são um elemento que tem atrapalhado, distanciado e provocado um impeditivo nas relações sociais entre pais e filhos. Essa nova realidade das telas fragmentou o espaço das casas, cada um na sua, tendo uma experiência muito diferente. Elas propiciam experiências individuais, sem limites, filtros ou mediadores. Os adolescentes estão muito cedo expostos a realidades sobre as quais os pais não têm ideia.”
E, como na série, muitas vezes eles não consideram pai e mãe interlocutores possíveis para suas dores. Seja para dizer abertamente que não quer ir à escola porque sofre bullying ou que se sente feio ou pouco atraente para o sexo oposto.
“Quando eles tentam falar, muitas vezes não são escutados, vem um discurso de ‘sua vida é fácil, você só tem que estudar’, e os pais não conseguem se aproximar e entender o adolescente. Acho que esse é o principal tema da série, na verdade. É preciso ser a referência para quando dá ruim, para que tenham para onde ir. Ouvir sem recortes morais. Os pais têm dificuldades de perceber o quanto é importante, antes de ensinar o que é certo, escutar os filhos”, avalia a psiquiatra.
E essas jovens pessoas desenvolvem linguagens que não são totalmente compreendidas pelos adultos, seja por meio de gírias, expressões ou até emojis.
“Ser adolescente é criar uma gangue fora de casa, com uma compreensão de mundo diferente dos pais, e isso é saudável. Mas há uma pressuposição dos adultos de que entendem o mundo em que as crianças e os adolescentes estão. E, a não ser que perguntem, não sabem. Temos que procurar ativamente conhecer o mundo em que vivem”, explica Ceron-Litvoc.
A falta de um diálogo aberto e o distanciamento intensificado pelas telas muitas vezes criam uma pessoa que vai se tornando desconhecida por quem está ao redor.
“Bastam quatro episódios para que muitos percebam que, dentro da própria casa, moram sujeitos com desejos, silêncios, medos e comportamentos que eles não conseguiam nem imaginar. Esses ‘desconhecidos’, são os próprios filhos”, escreveu sobre a série o antropólogo Michel Alcoforado.
Segundo ele, há também uma ilusão “de que, com as ferramentas certas, é possível moldar filhos como se fossem massinha. Filho não é projeto de design. Tem desejo, tem agência, e responde ao mundo à sua maneira”. A série mostra “que educar um sujeito, liderar uma equipe ou guiar um projeto não é simplesmente seguir uma fórmula bem planejada. A vida não funciona como roadmap (ferramenta digital que ajuda a traçar um plano de negócios). A subjetividade não segue protocolo. E o desafio — dentro e fora das famílias — é aprender a lidar com o que escapa”.
Apesar das dificuldades, deixar a porta do quarto ficar fechada sem saber o que se passa lá dentro não é uma verdadeira solução. Há muito o que pode ser feito.
Becker orienta: “Atrase ao máximo a entrada nas redes sociais. Quando entrarem, imponha limites, exija respeito ao básico: convívio familiar e com pares, esporte, estudo, leitura, sono. Escute, oriente. Preste atenção aos sinais de mal-estar: isolamento, irritabilidade, mudanças de humor. Supervisione: assista com ele o conteúdo digital, no celular e no computador. Converse sobre respeito, igualdade, consentimento, empatia, privacidade, sexualidade. Leve para programas culturais, para uma trilha, incentive-o a fazer esporte, a tocar um instrumento e a ler. Desperte sua sensibilidade, cultive sua humanidade.”
Além disso, as famílias devem cobrar políticas públicas como “regulamentação das redes, escolas com educação midiática e sexual levada a sério, e projetos esportivos, artísticos e comunitários, onde possam viver conexões reais, enfrentar desafios físicos e desenvolver competências como empatia, cooperação e resolução de conflitos”, recomendou o pediatra. As informações são do jornal O Globo.
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O Sul