Comportamento
Foto: Reprodução

Nada de novo dizer que o sexo é indispensável aos seres humanos, não só por razões reprodutivas, mas também porque nos confere enorme prazer e troca de afeto. Esse conhecimento é intuitivo, e os cientistas de várias especialidades confirmam — da neuropsicologia à biologia da reprodução. Se o sexo é indispensável, quando falta faz falta. Então, o que acontece quando falta?

Por essas e outras é importante conhecer o impacto da pandemia sobre essa prática, digamos, milenar, e tão relevante para nossas vidas. Em 2020, mais de um terço da população humana seguiu algum tipo de isolamento social. As pessoas que moram sozinhas ficaram impedidas ou limitadas de encontrar pessoalmente seus parceiros, por imposição legal ou medo de contágio. Por outro lado, as que vivem com seus companheiros tiveram uma overdose de convívio. E as que moram com filhos e outros parentes vivenciaram grande dificuldade em garantir a sua privacidade.

Esse quadro interessou pesquisadores de alguns países, que publicaram seus dados recentemente. Os estudos geralmente utilizaram questionários preenchidos online, escalas neuropsicológicas e de desempenho sexual padronizadas. O desenho teve que ser transversal, isto é, uma foto da situação, e o nível socioeconômico dos respondentes foi quase sempre de classe média. São características limitantes para permitir conclusões robustas, mas dão uma ideia do cenário. Certamente, nas famílias com piores condições de vida, os resultados seriam mais severos.

Os pesquisadores verificaram, na Inglaterra, que 60% das pessoas reduziram ou não tiveram relações sexuais durante o isolamento naquele país. Num grupo de países investigado em outra pesquisa (EUA, Canadá, Inglaterra e Austrália), foram 43% abstinentes. Na China, proporção semelhante. Mas como descrevem alguns dos autores, a situação aumentou a busca de alternativas solo. Na Espanha e na China, 10-30% das pessoas declararam aumento da masturbação e uso de pornografia, e mais de 20% nos EUA relataram expansão do repertório: novas posições, compartilhamento de fantasias, contemplação de fotos de pessoas nuas, e sexting. Esta última modalidade, para um antiquado como eu, revelou uma novidade que descobri pela Wikipedia: sexting é o intercâmbio de conteúdos eróticos e sensuais por celulares.

Em alguns locais, não houve alterações. É o caso de países asiáticos (Bangladesh, Índia e Nepal). Talvez o resultado reflita, nesses casos, a situação de subjugação das mulheres que ainda é mais comum nesses países do que na América Latina.

A revelação dessas consequências do isolamento social pela pandemia nos dá uma ideia do que pode ocorrer em outros cenários que consideramos “normais”: prisões, asilos, conventos. O sexo, que nos outros animais representa apenas um comportamento reprodutivo, na nossa espécie adquiriu um valor afiliativo e apaziguador de grande importância. Que consequências a abstinência forçada deixa a longo prazo, não sabemos. Tema para futuros trabalhos de pesquisa.

O Globo