Os motivos que fazem as pessoas quererem ficar juntas são bem conhecidos – o amor, a vontade de estar perto, o sonho de um futuro em comum. Mas, afinal, o que leva os casais a buscarem a separação?
Em tempos de pandemia, o período prolongado em casa fez muitos pares reavaliarem a relação – não à toa, as buscas por “divórcio” dispararam na internet. Para entender as razões que mais comuns que levam a um ponto final na relação, conversamos com duas especialistas no assunto.
Expectativas que não são atendidas dentro do relacionamento costumam ser uma queixa geral de quem pensa em se separar, explica a psicóloga Fernanda Vaz Hartmann, especialista em terapia de casais e famílias. Mas tudo pode variar de acordo com a etapa de vida em que o casal se encontra.
A profissional explica que, assim como indivíduos, famílias também passam por diferentes fases. Por exemplo, o período logo após o nascimento do primeiro filho é o mais comum de protagonizar um divórcio. São momentos em que as crises são “previstas” e exigem do casal recursos para enfrentar os novos problemas.
Nunca o casamento esteve tão valorizado como atualmente. As pessoas realmente procuram ser felizes na relação conjugal
FERNANDA VAZ HARTMANN
psicóloga
Outro ponto crucial levantado pela psicóloga é que, atualmente, o casamento é muito mais valorizado do ponto de vista do casal do que no sentido de constituir uma família. Por isso, as pessoas se permitem terminar relações em que não estão felizes com mais facilidade – o que é muito saudável, opina.
— Se diz, muitas vezes, que a família está falida, que o casamento está falido. Acho que é justamente o contrário. Nunca o casamento esteve tão valorizado como atualmente. As pessoas realmente procuram ser felizes na relação conjugal, se autorizam a isso — reflete.
Mas a lista de motivos vai além – e as principais queixas são comuns entre os (quase) ex-casais. Veja o que dizem as especialistas:
Falta de investimento na relação
Um dos grandes problemas do casais é a famosa “mesmice”, quando a relação fica “morna”. Para a psicóloga, tem a ver com o mito de que o casamento é uma conquista – e, por isso, depois de oficializar a relação, as pessoas se acomodam, na sensação de que já atingiram o objetivo final. Mas, na realidade, o casamento é o só início desse processo, diz Fernanda.
— Esse mito faz com que as pessoas não invistam nas relações. Não criam situações agradáveis de convivência, de interação, de romantismo. Costumo dizer que o relacionamento é como uma planta. Se não aguar, podar, colocar na luz, limpar, não vai crescer e se desenvolver. O casamento precisa de um cuidado muito especial que deve ser aumentado a partir do momento em que as pessoas se unem, porque é quando surgem situações novas e muito mais complexas do que antes — aconselha.
Quando o casal não investe na relação, consequentemente surgem outros problemas secundários, como o tédio e a pouca atividade sexual, lista ela. Por isso, muitas pessoas acabam optando pela separação. A falta de cuidado com a relação é também a queixa mais frequente no escritório da advogada de família Paula Britto:
— Normalmente a culpa não é de um, vem dos dois, e o tempo agrava essas diferenças e as crises — pondera ela, que é autora do livro Manual da Separação – Guia Prático, funcional e acolhedor(2018).
Falhas de comunicação
Outro ponto em que as duas especialistas concordam veementemente é a comunicação – ou a falta dela em uma relação a dois. Para a psicóloga, esse é o fator definitivo para as pessoas migrarem ou não para um divórcio. As falhas comunicacionais são as mais percebidas em terapia, explica Fernanda, e o principal erro dos casais é acreditar que, ao não se falar sobre o que está incomodando, o conflito não acontece e a relação melhora. Não é verdade: o silêncio não ajuda as pessoas a se aproximarem, mas, sim, as afasta.
Para a psicóloga, os casais precisam aprender a dividir o que sentem e o que pensam sem que isso se torne uma cobrança ou um momento ruim a dois.
— A questão é saber como falar, conseguir compartilhar com o outro em uma conversa saudável, que promova um ganho para a relação, gere soluções, e não simplesmente ataques e projeções. Sem colocar no outro todas as culpas das minhas insatisfações — explica. — São discussões que geram culpa e distanciamento. É importante que os casais compartilhem mais, dialoguem mais, também fora das questões do casamento, sobre a vida, sobre suas crenças, sobre seus valores, porque isso permite que eles se conheçam melhor e construam um projeto de vida em comum.
Paula concorda que a falta de comunicação do casal é um dos pontos principais nas separações, já que muitas situações que precisavam ter sido esclarecidas passam batidas ao longo do tempo.
— Há ruídos, desencontros de informação, afastamento por coisas que precisavam ter sido ditas e esclarecidas ao longo do tempo de forma objetiva, e que não foram. E essa ausência de troca, de uma escuta qualificada para que um perceba o outro, faz com que os casais não se compreendam — reflete.
Se o casal não está bem, vai sentir os efeitos da crise financeira e isso pode levar a um divórcio.
Falta de concessões
O casamento pode ser uma oportunidade para que as pessoas cresçam enquanto indivíduos – mas, para isso, é preciso flexibilidade, diz a psicóloga. Para que haja desenvolvimento tanto individual quanto em conjunto, é preciso que os dois estejam abertos a fazer concessões, fundamentais para que o casamento dê certo.
— Quando não se consegue estabelecer relações simétricas, com igualdade de poder, onde ambos são autônomos e independentes, financeira e emocionalmente, se cria um descompasso — reforça Fernanda.
Momentos de vida distintos
Para Paula, a falta de parceria entre o casal também é demonstrada quando as duas partes estão em momentos diferentes de vida e não apostam mais em projetos em comum. Nesta situação, é comum que surjam queixas de que um parceiro não “reconhece” ou “valoriza” o outro.
— Tem muita queixa assim. Consequentemente, aparece a sensação de carência. “Faz muito tempo que ele não me olha, não me ouve, não dá valor para as coisas que eu faço” — exemplifica a advogada.
A psicóloga acrescenta que o investimento que cada um faz no seu trabalho ou estudo também precisa ser simétrico – já que, quando uma das partes abre mão do tempo com a família e do investimento na relação para trabalhar, a disparidade pode virar um ponto de estresse na relação.
Relações sociais
É fundamental que o casal consiga construir relações compartilhadas, como ter amigos em comum, aponta a psicóloga. Além disso, criar uma distância saudável das famílias de origem também é importante.
— Se uma das famílias invade o território e interfere na relação conjugal, ou os amigos de uma das partes, isso gera distanciamento no casal — diz.
Crise financeira
As duas especialistas apontam que, durante a pandemia, a questão do dinheiro voltou com tudo nos motivos que levam ao término. Para a psicóloga, é importante avaliar como os casais organizam e lidam com as finanças, ou se um depende do outro financeiramente, porque isso pode vir a ser determinante em um casamento.
Para Paula, a crise financeira é mais um motivo na lista de pares que já enfrentam problemas em outras questões do relacionamento.
— Um casal que já não tem comunicação, não é parceiro em um projeto de vida comum, quando enfrenta adversidades econômicas, se abala. Se a relação não está estruturada e o casal não está bem, vai sentir os efeitos da crise financeira e pode levar a um divórcio — afirma a advogada.
Desinteresse sexual
A falta de interesse na cama também está entre os principais motivos que levam ao término, diz Paula. O problema aparece na roda mesmo quando o casal nunca conversou sobre isso – o que remete à questão da falta de comunicação.
A advogada também ressalta que, para muitas mulheres, o sexo costuma depender da troca e da escuta da relação – diferente de grande parte dos homens, que costuma ser mais imediatista e visual, conseguindo separar o sentimento do desejo.
— O sexo na relação vai se transformando. Se as pessoas não tem cuidado com ele, o fim da vida sexual acaba sendo uma das queixas recorrentes — conta.
Divisão desigual de tarefas
Um dos motivos mais “objetivos” que levam a desentendimentos é quando há uma divisão injusta das tarefas de casa. É comum acordos em que um fique responsável pelas obrigações em relação aos filhos e o outro como provedor da família, por exemplo.
Para a advogada, esse “trabalho a mais” acaba sendo cobrado em algum momento. “Mas eu sou quem paga as contas”, “Sou eu quem cuido dos filhos” ou “Sou eu quem sacrifico a vida profissional” são frases comuns em discusões. Na hora de decidir pelo divórcio, a questão volta à tona.
Traição é motivo?
A traição é consequência dos motivos listados acima, opina Paula.
— A falta de cuidado, de comunicação e de parceria levam a consequências, e a traição é uma delas. As pessoas vão atrás do reconhecimento, do prazer sexual, vão buscar ânimo na vida fora de casa — aponta.
Donna/GZH