Denúncia
Foto: Agência Brasil

Um problema de ordem burocrática vem colocando em xeque a aposentadoria de trabalhadores rurais em diversas regiões do país. Por conta de mudanças implementadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no sistema de liberação de benefícios, que passou a exigir um número maior de documentos para o processo, diferentes agricultores estão com dificuldade para obter a aposentadoria.

Um levantamento feito por deputados da Comissão de Agricultura da Câmara com base em dados do INSS mostra que, ao longo deste ano, 60% dos benefícios requisitados foram negados. Em 2018, a média nacional era de 30%.

O DAP

Parlamentares que acompanham o tema e entidades sindicais do setor atribuem as negativas às novas normativas do instituto. No início deste ano, o INSS passou a exigir uma autodeclaração acompanhada de documentos como CPF de vizinhos, título de eleitor e carteira de habilitação de todos os filhos, além do valor anual da produção do agricultor.

Trabalhadores relatam que as exigências dificultam o atendimento a todas as normas, especialmente no que se refere à Declaração de Aptidão ao (DAP), instrumento utilizado pelo governo federal para identificar unidades familiares de produção agrária (UFPA). Funcionando como uma espécie de identidade, o documento contém dados pessoais do proprietário da terra, informações sobre produção, entre outros.

A secretária de Políticas Sociais da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Edjane Rodrigues Silva, destaca que, até 2018, o documento era aceito pelo INSS, mas não era considerado essencial. “O documento mais importante do processo hoje é a DAP. Só que o desafio é que ela surgiu pra que os trabalhadores acessem linhas de crédito, então, os agricultores só vão fazer quando precisam acessar um crédito”, acrescenta, pontuando que muitos trabalhadores estão ficando de fora da cobertura previdenciária por não terem o documento.

“O INSS não ouve mais as pessoas”

O novo processo tem causado um clima de apreensão entre agricultores, que precisam lidar também com as ferramentas digitais, uma vez que todo o processo atualmente é feito pela internet. Anteriormente, a interação com o INSS se dava de forma presencial, nas agências da rede do instituto.

“Hoje o INSS não ouve mais as pessoas. É [tudo] digitalizado, e aí manda pro INSS. Ele analisa só documento e, muitas vezes, a pessoa não tem o documento que eles querem, aí negam o benefício. Trabalhou a vida toda e, na hora em que mais precisa e não está aguentando mais, se sente humilhado diante dessa situação”, desabafa o agricultor José Luiz da Anunciação.

Membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Urucânia (MG), ele conta que a entidade tem hoje dezenas de associados em situação de dificuldade para obter a aposentadoria. “Alguns aguardam há mais de um ano a resposta. Enquanto isso, a pessoa pode até morrer”, ressalta José Luiz, que esteve na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (5) com mais 30 agricultores para participar de uma audiência que debateu o assunto.

“Sempre foi um desafio o acesso aos benefícios por parte de segurados especiais, que incluem não só nós, trabalhadores rurais, mas quilombolas e outros. Mas as preocupações e as insatisfações em relação a isso têm aumentado. O INSS começou a tomar algumas medidas, mas de forma ainda muito lenta”, queixa-se a secretária de Políticas Sociais da Contag, também ouvida por parlamentares nesta quinta.

O problema tem como contexto um arrocho na conduta do governo Bolsonaro no sentido de fazer um pente fino nos benefícios concedidos pelo INSS. A gestão tem adotado como discurso o combate a fraudes no sistema previdenciário. Para o deputado Vilson da Fetaemg (PSB-MG), a estratégia estaria equivocada.

“Se tiver alguém fazendo coisa errada, temos que separar o joio do trigo, mas não podemos é generalizar e criar essa situação difícil pros agricultores. E temos que lembrar que o Brasil é outra coisa depois que se criou a aposentadoria rural”, argumenta o parlamentar, acrescentando que o benefício movimenta a economia no campo e traz mais dignidade aos trabalhadores da zona rural.

Outro lado

A diretora nacional de Benefícios do INSS, Márcia Elisa, afirma que não é possível conceder a aposentadoria sem a apresentação de todos os documentos que atualmente integram o rol de exigências. “Depende do INSS estabelecer regras, mas depende também de nós, cidadãos, apresentarmos isso, comprovar a situação”, complementa.

Segundo ela, o instituto estaria promovendo um esforço para administrar a demanda represada na área. “O interesse do INSS é em colocar os processos em dia e, dessa forma, analisar tudo dentro do prazo, que é de 45 dias para o processo administrativo. É pra isso que a gente tem trabalhado”.

Sul 21