Denúncia
Ex-detento pediu o Auxílio Reconstrução no RS. Foto: Rodrigo Prado / RBS TV

Fraudadores estão de olho nos recursos públicos liberados às vítimas da enchente. Em Canoas, o GDI identificou duas tentativas de acessar dinheiro da prefeitura e do governo federal. A reportagem descobriu entre os cadastrados nos programas um homem que estava preso à época da inundação e a dona de uma salão de beleza fechado seis meses antes da tragédia climática.

Preso em 8 de dezembro do ano passado por furto, Júnior Cechinel entrou com pedido de Auxílio Reconstrução de R$ 5,1 mil alegando ter perdido tudo com a cheia, no bairro Harmonia, em Canoas. O GDI apurou que ele indicou como endereço a Rua Romeu Morch, 1.074, casa 4. Mas até o dia 28 de maio, ele estava recolhido na Penitenciária Modulada de Osório.

No local, a reportagem apurou que existe apenas uma residência no terreno, e não quatro, como sugere o endereço. E que o único dono mudou-se provisoriamente para a casa de um parente, em Nova Santa Rita.

Enquanto isso, o fraudador, após receber liberdade condicional, passou a residir com o pai, na praia de Quintão. Sem saber que está sendo gravado, ele mantém a mesma versão quando perguntado sobre a tragédia.

— Eu estava morando lá quando encheu. Me tiraram de barco — diz.

Além de se cadastrar para receber o auxílio, Júnior também passou a intermediar o esquema para outras pessoas, “vendendo” endereços na área da mancha da inundação. Simulando interesse, o GDI recebeu como local a ser cadastrado a casa cinco da mesma rua e número onde alegou morar perante à prefeitura de Canoas. O endereço não existe.

Em troca, Júnior cobra R$ 550: R$ 50 no ato e R$ 500 quando o dinheiro for liberado pelo governo federal. Se alguém fiscalizar, ele orienta:

— Cara, já te falei: o fiscal vai vir e vai te perguntar como é que saiu de lá? Aí tu vai dizer, não, eu, os guri aqui da casa 4, os outros pessoal das casas mais acima a gente saiu todos de barco, porque já estava com a metade da casa cheia d’água, entendeu?

A prefeitura de Canoas anunciou que vai excluir os cadastros das pessoas que não moram no endereço citado pelo fraudador.

Em outra suspeita de fraude, uma microempresária também se inscreveu na prefeitura de Canoas para receber, indevidamente, dois benefícios: além do Auxílio Reconstrução, requereu ainda uma verba de R$ 1 mil destinada pelo município a microempreendedores vítimas da enchente.

Na Receita Federal, Dienifer Macena aparece como dona de uma estética no bairro Mathias Velho. No questionário que preencheu para ter acesso à verba municipal, alegou que o salão foi “muito impactado”. A água teria atingido parte do segundo piso. De acordo com Dienifer, computador, microondas, geladeira, móveis, tudo foi perdido.

O problema é que ela fechou a estética em dezembro do ano passado, cinco meses antes da catástrofe climática. E deixou isso bem claro tanto em texto, quanto em vídeo publicado nas redes sociais, chegando a reclamar do ganho de peso com a mudança de endereço:

— A gente foi embora, só que, com isso, veio o ganho de peso. Então, eu ganhei 14 quilos em dezembro, desde quando graças a Deus a gente conseguiu vir embora.

Desde então, ela tem publicado em suas redes sociais fotos em praias do Nordeste e até na ilha de Fernando de Noronha.

A prefeitura anunciou a exclusão da microempresária da lista de beneficiados, mas diz que a checagem dos dados apresentados em relação ao Auxílio Reconstrução cabe ao governo federal. O GDI teve acesso a um relatório indicando que metade dos candidatos a receber o benefício federal caiu numa espécie de “malha fina”.

Dos 629.611 inscritos, apenas 274.250 pedidos foram enviados para pagamento — a lista pública deve ser divulgada na próxima semana. Os motivos são os mais variados e diversos inscritos apresentaram mais de uma inconsistência. Por exemplo: 150.638 cadastros estão fora da área alagada e 152.780 não tiveram endereço confirmado.

Em 60.379 casos, mais de uma família se cadastrou no mesmo endereço. Existem ainda famílias que solicitaram o auxílio em mais de um município, pessoas que se cadastraram em mais de uma família e até candidatos já falecidos (1.262). O ministro para Apoio à Reconstrução do RS, Paulo Pimenta, disse que o cruzamento de diversos bancos de dados permite identificar irregularidades.

— Se esta pessoa tentou cadastrar duas ou três famílias do mesmo endereço, ela não vai conseguir. Primeiro, porque nós temos o dado do Censo, ele é bem atual, que mostra que naquele endereço tem uma residência. Segundo, nós temos a conta de luz, nós temos a conta d ‘água, nós temos o cartão do SUS, nós temos o CadÚnico, nós temos os dados da Receita Federal — afirmou Pimenta, usando como exemplo os casos descritos na reportagem.

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Gaúcha ZH