Denúncia
Foto: Reprodução

O médico Olinto Paz da Costa, 69 anos, foi preso na quarta-feira (17). Com prisão preventiva decretada na terça (16) pelo juiz Eduardo Giovelli, da 2ª Vara Criminal de Ijuí, que atendeu a pedido do Ministério Público, o ginecologista era considerado foragido desde então. 

A promotora de justiça Diolinda Kurrle Hannusch, de Ijuí, já apresentou duas denúncias contra ele por violação sexual mediante fraude. A primeira por abuso contra 12 pacientes, e a segunda, contra 23.

Os fatos teriam ocorrido entre 2012 e 2022. Conforme as acusações, o médico abusava sexualmente das mulheres durante procedimentos ginecológicos, sob alegação de ter se especializado em sexologia, uma área de atuação da Medicina.  O MP já confirmou que o denunciado não tem titulação de sexólogo. Além disso, profissionais da área garantem que, na sexologia, em hipótese alguma, o médico pode tocar a paciente. E geralmente as consultas são feitas com casais. 

GZH ouviu três dessas vítimas, que contaram como o especialista agia durante as consultas. Elas não terão os nomes divulgados para preservá-las.

Violação na primeira consulta 

Hoje com 22 anos, uma delas tinha 18 anos em 2018, quando decidiu consultar com Olinto para realização de exames ginecológicos. Era sua primeira visita ao ginecologista, por isso, não sabia como uma consulta deveria ser conduzida, nem como teria de ser a postura do médico ao atender a paciente. Conforme a vítima, após a coleta de material, enquanto ela ainda estava sobre a cadeira de exames, em posição ginecológica, o médico disse que também era sexólogo e perguntou se ela conhecia os pontos de prazer de seu corpo.

Tentei demonstrar que eu não estava gostando. Eu falei: ‘Não sei, não está dando certo. Não tô sentindo muita coisa, não tô muito bem’. Aí, ele disse: ‘Então eu vou apagar a luz pra ver se tu consegue se concentrar melhor e me diz o que tu tá sentindo’.

VÍTIMA

Abusada aos 18 anos, hoje com 22

— Eu tinha 18 anos só, aí eu disse: “Eu não sei”. Ele falou assim: “Então eu vou te mostrar”. E aí começou a me tocar dentro da minha vagina, perguntando se eu estava sentindo, se estava bom, se eu poderia dar uma nota para aquilo que eu estava sentindo — conta.

A jovem lembra que ficou muito nervosa na hora e que respondia o que achava que ele queria ouvir “para poder terminar logo aquela consulta”. Ao deixar o consultório, não conseguiu falar para ninguém por sentir vergonha. Ela diz que chegou a pensar que talvez aquele procedimento fosse normal e que, em razão da dificuldade de conciliar seus horários para consultar com outros médicos, precisou voltar mais duas vezes ao consultório de Olinto. Então, os abusos teriam ocorrido novamente.

— Eu falava: “Ah, que droga, vou ter que marcar lá e ele vai querer fazer aquilo de novo, e eu não quero que ele faça aquilo de novo”. Mas eu também não conseguia dizer pra ele que eu não queria aquilo — recorda.

Em uma das vezes, relata, ela tentou expressar seu desconforto com a atuação do médico:

— Tentei demonstrar que eu não estava gostando. Eu falei: “Não sei, não está dando certo. Não tô sentindo muita coisa, não tô muito bem”. Aí, ele disse: “Então eu vou apagar a luz pra ver se tu consegue se concentrar melhor e me diz o que tu tá sentindo”.

Em 2022, a jovem ficou sabendo que o médico estava sendo investigado.

Discurso sobre empoderamento feminino

Outra paciente ouvida por GZH relata postura muito semelhante do médico nas vezes em que consultou com ele. Também diz ter sido vítima logo no primeiro atendimento com um ginecologista, aos 18 anos. Ela lembra que não queria consultar com um homem, mas que aceitou por imaginar que o “profissional fosse sério”. Atualmente com 23 anos, recorda que ele utilizava um discurso de empoderamento feminino durante a conversa dentro do consultório e dizia que as pacientes deveriam ter liberdade sexual, com “prazer em primeiro lugar”.

Ele fazia o exame preventivo, pedia para a gente virar de bruços, na mesma cadeira do exame, e dizia que iria mostrar os nossos pontos sexuais para a gente saber qual o que tinha mais prazer. Na verdade, ele estava masturbando as pacientes. Foi o que aconteceu comigo.

VÍTIMA

Abusada aos 18 anos, hoje com 23

— Acreditei, né, até porque eu estava indo num profissional. Então, ele fazia o exame preventivo, pedia para a gente virar de bruços, na mesma cadeira do exame, e dizia que iria mostrar os nossos pontos sexuais para a gente saber qual o que tinha mais prazer. Na verdade, ele estava masturbando as pacientes. Foi o que aconteceu comigo. E ele dizia ainda: “Se masturbe também, passe a mão no clitóris, passa a mão no peito”. E eu me sentia constrangida. Mas como eu não tinha a noção de o que um médico pode ou não pode fazer, pensei: “É coisa da minha cabeça, tô sendo careta, ele deve estar certo” — conta a jovem, que chorou ao falar com a reportagem. 

Ela afirma que foi a três consultas com Olinto, mas que, diante do que na época considerava apenas um constrangimento seu, mas que na verdade era um crime, decidiu não voltar mais ao consultório. Ficou traumatizada e durante anos não consultou mais com ginecologistas.

— Nunca havia comentado com ninguém o que havia acontecido, porque eu pensei que as pessoas iriam dizer que era bobagem da minha cabeça, que ele é um médico sério. Ainda mais eu sendo uma menina — comenta.

Durante a pandemia, a vítima leu uma reportagem sobre abusos praticados por médicos e então entendeu que teria sofrido uma violação sexual. Mesmo assim, decidiu não comentar com ninguém naquele momento. No retorno às aulas, ouviu de uma amiga que Olinto estava sendo processado por violação sexual e foi questionada se não iria denunciá-lo. 

— Se fosse uma ou duas pessoas, eu não ia (denunciar). Mas ela comentou que tinha mais mulheres que sofreram esse tipo de violação e que todas estavam se juntando. Então, procurei o Ministério Público, fui depor e também me juntei a essas meninas para a gente conversar — recorda.

A jovem diz que o assunto se espalhou na cidade e que muitas vítimas ainda não denunciam por vergonha.

— Essas mulheres não têm coragem de depor porque são mulheres casadas, porque têm vergonha, porque podem ter medo de um divórcio. Onde eu vou, não tenho vergonha de dizer para as pessoas o que aconteceu. Eu dizia o nome dele, mas não dizia que eu era vítima. Porque a gente sabe que o preconceito ainda está muito presente, porque a gente vive numa sociedade muito machista. Então, as pessoas acabam nos diminuindo ou até dizendo que é mentira, porque ele é um médico conceituado — lamenta.

“Ajuda” para paciente sentir mais prazer

Mais uma vítima de Olinto, uma das mulheres que conversou com GZH não lembra quantas vezes foi atendida pelo ginecologista. Aos 22 anos, classifica as primeiras consultas como normais, mas lembra que, lá pela terceira ou quarta, o médico passou a perguntar sobre a vida sexual dela, colocando-se à disposição para “ajudar”.

Eu estava sem roupa. Ele disse: ‘Eu quero te mostrar alguns pontos e quero te perguntar se tu sente prazer, quanto que tu sente. Porque daí tu vai me dizendo’. E aí começou devagar, ele introduzia a mão em mim e ia perguntando se eu sentia prazer ali. Ia movimentando e ia me perguntando.

VÍTIMA

Hoje com 22 anos

— Eu acho que a primeira vez que ele me tocou dessa forma diferente foi após um preventivo. Porque daí eu estava sem roupa. Ele disse: “Eu quero te mostrar alguns pontos e quero te perguntar se tu sente prazer, quanto que tu sente. Porque daí tu vai me dizendo”. E aí começou devagar, ele introduzia a mão em mim e ia perguntando se eu sentia prazer ali. Ia movimentando e ia me perguntando — relata.

Conforme a vítima, o médico disse que gostaria de trabalhar com ela a questão da sexualidade para que ela pudesse ter mais prazer:

— Depois da primeira vez, em toda consulta ele fazia alguma coisa. Só que na minha cabeça eu achava que era normal. Como eu não tive grandes experiências com outros ginecologistas, achei que isso era um protocolo normal. Até porque ele falou que tinha especialidade, tudo mais.

Segundo a jovem, ele citava casos de outras mulheres que, segundo ele, também o procuravam para ter mais prazer.

— Eu tirava roupa, deitava na maca, de barriga pra cima, e ele começava a me masturbar e ia perguntando se eu estava sentido algo, se eu estava a ponto de gozar ou a intensidade. E aí ele dizia: “Vamos tentar de bruços para ver se tu sente mais prazer” — relata a vítima, que só percebeu estar sendo abusada quando saíram as primeiras reportagens sobre Olinto.

— Quando realmente saiu a denúncia, parei para pensar e lembrei de tudo o que aconteceu comigo também. Pensei: “Eu também estou envolvida nisso, eu também estava sendo uma vítima e isso também acontecia comigo” — conta a jovem, que, desde então, não consultou novamente com algum ginecologista, por não se sentir mais confortável em ser atendida por um homem.

Contraponto

O advogado do médico, Cristiano Berger Sander, diz que, em relação ao mérito das acusações, não vai se manifestar em razão do processo estar em segredo de Justiça. E adianta que vai ingressar com habeas corpus para que o ginecologista responda em liberdade.

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Gaúcha ZH