O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea-RS) estima que mais de 1 milhão de pessoas passe fome no estado. Além disso, de cada 10 famílias, sete enfrentam dificuldades em conseguir comida ou não têm o que comer.
“A fome é mais severa com as famílias gerenciadas por mulheres, pela população preta e parda, por famílias que têm filhos de 0 a 10 anos, mas principalmente na agricultura familiar. A agricultura familiar dobra o número de pessoas em situação de fome”, explica o presidente do Consea-RS, Juliano de Sá.
A acentuação da pobreza e extrema pobreza foi agravada durante a última década. No Brasil, de 2020 até este ano, a fome saltou de 9% para 15%.
“Os próprios indicadores de insegurança alimentar nos colocam no início dos anos 1990. Uma regressão de mais de 30 anos nos indicadores de insegurança alimentar”, diz a pesquisadora da UFRGS, Cátia Grisa.
Fome reflete na habitação
A priorização pela busca pelo alimento causa outros problemas para os mais pobres. Tendo que reservar o dinheiro para a comida, muitas pessoas passam a morar em ocupações irregulares, tanto em áreas particulares quanto públicas. De acordo com o IBGE, a cada 100 casas no RS, três estão irregulares.
A Vial Lorenzi, na Zona Sul de Santa Maria, recebe, há 11 anos, a Associação Fraternidade Chico Xavier. Formada por voluntários que realizam diversos trabalhos sociais, os moradores se ajudam com a oferta de roupas para usarem, por exemplo, já que a renda não contempla todas as necessidades.
“Alguns maridos estão trabalhando, outros estão ainda no biscate. Temos muitas famílias que estão na reciclagem, nas ruas, para poder vender e se alimentar”, diz a voluntária Zilda Farias.
O projeto é uma forma de amenizar os problemas da chamada “Invasão da Portelinha”, área criada há 14 anos e considerada irregular pela prefeitura.
“Falta muita coisa. Nós não temos água, nós não temos luz. É tudo gato, porque a habitação ainda não entrou aqui”, diz Zilda.
Na casa da recicladora Sabrina Pires moram sete pessoas. A água é transportada de balde, e a comida estocada na geladeira é tudo que elas terão por um mês.
“O que nós temos é de doação”, lamenta.
Na Ilha do pavão, em Porto Alegre, o desempregado Valmir Veríssimo da Silva recebe o auxílio de R$ 400 do governo como fonte de renda. O pouco que tem, ele cozinha em rodas de carro.
“Levando como Deus queira, sobrevivendo aos poucos. [Depois] eu tenho que arrumar, ganhar ou comprar”, diz.
Guerra e pandemia
A Guerra na Ucrânia e a pandemia de Covid-19 explicam parte da crise, mas não toda. No caso do conflito no Leste Europeu, a produção de trigo interfere na alta de preços no Brasil.
“Gerou um caos no mundo inteiro, principalmente porque aquela região é uma região muito produtiva. O trigo é a base de muitos produtos alimentares que o mundo inteiro consome”, comenta o economista Alexandre Reis.
Além disso, a pandemia exacerbou a desigualdade social, segundo o economista da PUCRS, André Salata.
“Os mais pobres perderam mais de um terço dos seus rendimentos no trabalho no início da pandemia. Isso faz com que você tenha um aumento muito forte de desigualdade e também de pobreza, o que significa que são milhares de famílias que estão caindo para níveis baixos de rendimento”, conceitua.
É o caso do eletricista Itamar Silva de Freitas, morador de Santa Cruz do Sul, que há 10 meses mora em um albergue.
“Trabalhava direitinho. Perdi o emprego e, como pagava pensão, pedi informação sobre o albergue e foi aí que eu não fiquei na rua. Sem uma renda não tinha como pagar aluguel, nem alimentação, apesar de meu ex-patrão me apoiava também. Mas eu não queria estar dependente, só buscando, buscando. Eu queria também retribuir”, afirma.
A situação dele é semelhante a 7,5% do estado, conforme a taxa de desocupação do IBGE. O percentual é até menor do que no último trimestre de 2021, mas, ainda assim, são 463 mil pessoas desempregadas no estado.
“Você tem uma informalidade maior aqui, principalmente entre as pessoas que têm pouca escolaridade, as pessoas que estão na base da pirâmide. Para essas pessoas, as oportunidades econômicas ocupacionais que a gente oferece são de menor status, mais precárias e que pagam menos”, define Salata.
Os benefícios sociais ajudam, mas não resolvem o problema. Para gaúchos como o vigilante Renato Alonso, ter serviços básicos é quase um luxo.
“Seria um prazer para nós até ter uma água, uma luz, como todo mundo tem”, cita.
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