Estado
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

O Estado assina nesta quarta-feira (9) o contrato para aquisição de tornozeleiras eletrônicas que permitirão o monitoramento de agressores de mulheres. Os equipamentos emitirão alertas de aproximação para as vítimas por meio de um aplicativo em um celular exclusivo, ajudando a prevenir feminicídios.

A contratação será de até 2 mil conjuntos (2 mil tornozeleiras e 2 mil celulares) com a empresa suíça Geosatis, sem necessidade de licitação. O investimento será de R$ 4,2 milhões, com recursos do programa Avançar na Segurança.

— Essa é uma medida que vamos implementar para reduzir o número de feminicídios. Hoje, em torno de 15% das vítimas de feminicídio possuem medida protetiva. Com o monitoramento do agressor, vamos ter maior controle sobre isso. É uma medida extremamente eficaz — projeta o secretário estadual da Segurança Pública, coronel Vanius Santarosa.

De acordo com o titular da pasta, o governo poderá ampliar o número de tornozeleiras disponíveis, a partir de 2023, dependendo da demanda pelos equipamentos.

Inicialmente, o projeto será implantado em Porto Alegre e Canoas, com enfoque em homens que cumprem medidas protetivas da Lei Maria da Penha e oferecem risco às vítimas. Após essa primeira adaptação, a ideia é expandir para todo o Rio Grande do Sul.

A partir da assinatura do contrato, o prazo para a entrega e para o início do uso das tornozeleiras é de até 60 dias.

Como vai funcionar
Conforme o coordenador do Programa RS Seguro, delegado Antônio Carlos Pacheco Padilha, a medida é inovadora em relação ao que já é feito no Brasil e no Exterior. Através de um software desenvolvido especialmente para essa função, será possível saber se o agressor invadiu o perímetro de distanciamento da mulher e um alerta será gerado para uma central de monitoramento, que será acompanhada pela Brigada Militar, mas poderá ser utilizada também pela Polícia Civil.

Ao primeiro sinal de descumprimento da zona de exclusão, o homem será advertido por ligação e orientado a se retirar. Caso persista na aproximação, uma equipe com agentes de segurança pública, como Patrulha Maria da Penha e BM, já estará em deslocamento para o local. A vítima, então, receberá uma notificação e um efeito sonoro será disparado no celular. Um mapa mostrará a distância entre os dois, em tempo real.

Isso é realizado por um aplicativo que só funciona no celular fornecido pelo Estado à vítima. Por segurança, o sistema não pode ser desinstalado ou baixado em outros aparelhos. Também não é possível utilizar o telefone para outras funcionalidades.

A orientação é que a mulher mantenha o celular sempre por perto e no mesmo ambiente, para garantir que o sistema saiba a localização dela e gere o alerta em caso de aproximação do homem com a tornozeleira. A implantação será sempre a partir de uma decisão judicial e conforme cada caso, com ênfase nas mulheres que correm mais risco de sofrerem tentativa de feminicídio.

O equipamento é preparado para evitar o rompimento. Se houver algum esforço de retirada, os sensores internos enviam sinais para a central de monitoramento. Há ainda um carregador portátil que garante a reposição da bateria em 90 minutos, para duração de 24 horas. O sistema também emite um aviso se a carga estiver baixa.

Importância das denúncias
O processo de combate à violência doméstica começa a partir de uma denúncia feita pela própria vítima ou por alguma testemunha (veja abaixo como procurar ajuda). A partir daí, é gerado um procedimento policial, que é encaminhado ao Poder Judiciário. O Ministério Público analisa, então, a situação e, se for o caso, oferece denúncia. Após a avaliação da Justiça, pode ser autorizado o uso da tornozeleira.

— É um momento importante pra gente tentar incentivar as denúncias. Não é fácil a mulher tomar essa decisão. Muitas vezes tem a dependência econômica, os filhos, tem um ciclo de violência que se instalou e que ela não consegue romper — salienta o delegado Antônio Carlos Padilha.

Atuando em parceria na iniciativa, a promotora Carla Carrion Frós, coordenadora do Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência, reforça a importância de investimentos em políticas públicas para coibir as agressões:

— Infelizmente, os indicadores da violência contra a mulher seguem crescendo e impactam o trabalho de todos os integrantes do sistema de segurança pública e de Justiça. Impactam a economia e a saúde não só das mulheres, mas de seus filhos.

Desde 2020, o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher –  Em Frente Mulher atua como uma rede de apoio às vítimas, com vários órgãos participantes, como secretarias do Estado, Brigada Militar, Polícia Civil, Judiciário e assistência social. A iniciativa propôs o desenvolvimento de 11 projetos. Destes, cinco foram priorizados para início imediato, como o de Monitoramento ao Agressor.

Para ampliar os resultados, o governo estadual ainda firmou um acordo de cooperação com a London School of Economics and Political Science para o processamento de dados. Com auxílio do Sistema de Gestão Estatística em Segurança Pública (GESeg), será criado um banco de dados sobre violência doméstica a partir da análise dos últimos 10 anos. O estudo vai ajudar a identificar quais casos podem ser usados para identificar mulheres que têm maior risco de sofrer violência.

Origem do projeto de monitoramento 
Levou quase nove anos para que o monitoramento de agressores que praticaram violência doméstica começasse a sair do papel. Inspirado em uma proposta do deputado estadual Edegar Pretto (PT), o projeto prevendo o uso de tornozeleiras foi aprovado pela Assembleia Legislativa em dezembro de 2013 e sancionado pelo então governador Tarso Genro (PT) em janeiro de 2014.

Na época, a ideia era iniciar a implantação com um projeto-piloto, mas Tarso perdeu a eleição em 2014, a medida não foi posta em prática e a lei ficou somente no papel durante o governo de José Ivo Sartori (MDB) e praticamente toda a gestão de Eduardo Leite/Ranolfo Vieira Junior (PSDB). Será colocada em prática agora, em um contexto de melhora geral dos indicadores de segurança pública no Estado, mas de persistência de índices elevados de feminicídio.

— Quando um projeto é bom, não importa a ideologia partidária. Essa não é uma pauta desse ou daquele governo, é uma pauta do Rio Grande do Sul — pondera o delegado Padilha.

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