O Brasil não costuma ser associado a tornados, mas há registros com mais frequência do que se imagina. A Região Sul do país, sobretudo o Rio Grande do Sul, é apontada como a segunda área mais propensa à ocorrência desses fenômenos a nível mundial. O território fica atrás apenas da porção central dos Estados Unidos.
A recente tragédia na cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, trouxe o tema para o centro das discussões sobre a ocorrência desses fenômenos no Brasil.
O que é um tornado
Tornado é um fenômeno atmosférico extremo caracterizado por uma coluna de ar em rotação violenta que se estende da base de uma nuvem de tempestade até a superfície da Terra.
Ele se forma quando há uma combinação de fatores, como: forte instabilidade atmosférica, alta umidade, correntes de ar ascendentes intensas e mudança na direção e velocidade dos ventos em diferentes altitudes.
Os tornados podem variar muito em tamanho e intensidade: alguns duram poucos minutos e causam danos leves, enquanto outros podem atingir velocidades superiores a 300 km/h e são capazes de provocar destruição.
— O tornado é uma coluna de ar bem concentrada em uma única tempestade e tem alguns metros só de diâmetro. O fenômeno acontece no Brasil com uma certa frequência. Para se ter uma ideia, nesse ano nós já tivemos 88. Mas os significativos, de muita intensidade, igual ao que ocorreu em Rio Bonito de Iguaçu, esses, sim, são raros — destaca a professora Rachel Albrecht, do curso de Meteorologia da Universidade de São Paulo (USP).
- Imagine que o ar quente e úmido vindo do norte do país se choca com o ar frio e seco vindo do sul. Esse encontro cria instabilidade e correntes ascendentes poderosas. Se, além disso, os ventos mudam de direção e velocidade em diferentes alturas, a tempestade começa a girar. Esse giro pode se intensificar até formar uma coluna de ar em rotação que desce da nuvem para o solo — o tornado. É como se a atmosfera fosse uma panela de pressão: quando os ingredientes certos se combinam, há chance de tornado
Quantos tornados ocorrem no Brasil
Órgãos como o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) não possuem dados que contabilizem a ocorrência dos fenômenos no território nacional. A Defesa Civil Nacional não retornou o contato até o fechamento desta reportagem.
A falta de registros oficiais e de estudos aprofundados faz com que o cenário nacional ainda seja pouco conhecido.
Dessa forma, coletivos independentes e entidades acadêmicas acabam assumindo o papel de monitorar esses eventos.
Um estudo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), coordenado pela professora Karin Linete Hornes, do Departamento de Geociências, identificou a ocorrência de 581 tornados no Brasil entre 1975 e 2018. Destes, 411 foram na Região Sul – 180 (44%) apenas no território gaúcho.
Pesquisadores da UEPG contabilizaram também que o país registrou 28 tornados no ano passado, dos quais 23 ocorreram em cidades sulistas. Paraná e Rio Grande do Sul tiveram 10 casos cada, enquanto Santa Catarina teve três.
Outro grupo que se propõe a documentar e fomentar pesquisas sobre tempestades severas é o PREVOTS, que reúne meteorologistas de todo o país. Entre 1898 a 2020, foram contabilizados cerca de 800 tornados no país.
De acordo com o pós-doutorando em Meteorologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Maurício Ilha de Oliveira, um dos especialistas-membros, sem uma base de dados torna-se mais difícil entender padrões, planejar políticas e criar protocolos de alerta e estratégias de mitigação de danos.

Tornado causou sete mortes em Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná. Foto: Jonathan Campos / AEN / Divulgação
“Corredor de Tornados”
O chamado “Corredor de Tornados” compreende a região da América do Sul onde se encontram condições mais favoráveis para ocorrência do fenômenos.
Fazem parte os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, o centro-sul de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul no Brasil; além do centro e norte da Argentina, Uruguai, Paraguai e a porção centro-sul da Bolívia.
De acordo com os especialistas consultados pela reportagem, a área torna-se mais propícia que outras por conta de fatores como:
- Zona de encontro de massas de ar: área de transição entre massas de ar quente e úmido vindas do norte e massas de ar frio e seco vindas do sul. Esse gradiente térmico é um dos principais ingredientes para tempestades severas
- Dinâmica atmosférica favorável: ventos mudam de direção e intensidade de acordo com a altitude
- Topografia predominantemente plana: áreas de planície facilitam a circulação dessas massas de ar, o que aumenta a instabilidade
- Influência de sistemas meteorológicos: a presença frequente de frentes frias, ciclones extratropicais e outros sistemas cria cenários ideais para tempestades intensas
Tornados mais intensos no Brasil nos últimos 25 anos
- 2000 – Viamão (RS)
- 2005 – Indaiatuba (SP)
- 2005 – Muitos Capões (RS)
- 2009 – Guaraciaba (SC)
- 2013 – Taquarituba (SP)
- 2015 – Francisco Beltrão (PR)
- 2015 – Xanxerê (SC)
- 2015 – Marechal Cândido Rondon (PR)
- 2016 – São Miguel das Missões (RS)
- 2017 – Maratá (RS)
- 2017 – Caxias do Sul (RS)
- 2018 – Coxilha (RS)
- 2018 – Sarandi (RS)
- 2020 – Tangará (SC)
- 2023 – Sede Nova (RS)
- 2025 – Porto Feliz (SP)
- 2025 – Rio Bonito do Iguaçu (PR)
- 2025 – Xanxerê (SC)
- 2025 – Guarapuava (PR)
Fonte: PREVOTS
Por que é tão difícil prever e identificar
Prever e registrar tornados é um desafio porque são fenômenos extremamente localizados e de formação rápida.
Diferentemente das frentes frias ou dos ciclones, que afetam grandes áreas, esses eventos dependem de variações específicas, o que torna sua identificação mais complexa.
— O tornado se forma rápido. Muito rápido. Às vezes, em questão de minutos ou segundos. É por esse motivo que é impossível dizer com antecedência que uma cidade, especificamente, vai ser atingida. Por exemplo, esse tipo de tecnologia e conhecimento meteorológico ainda não existe nem mesmo nos Estados Unidos, que sofre com esse tipo de ocorrência há séculos — diz Maurício.
Conforme o especialista, é possível identificar condições atmosféricas e regiões amplas que apresentam condições para tempestades que podem vir a impulsionar um tornado.
Como exemplo, ele cita o alerta emitido pelo PREVOTS na última semana, quando o grupo identificou condições favoráveis para tempestades severas na região sudoeste do Paraná e no oeste de Santa Catarina.

Ventos atingiram cerca de 250 km/h no interior do Paraná. Foto: Olho Vivo Paraná / Divulgação
Embora não tenha sido possível prever com precisão se um tornado iria ocorrer, foi viável apontar as áreas com maior propensão para formação do fenômeno.
Tornados estão mais ou menos frequentes?
Não é possível afirmar se os tornados se tornaram mais ou menos frequentes no Brasil ou no Rio Grande do Sul. A professora Rachel Albrecht aponta que não existe uma climatologia oficial e consistente de longo prazo:
— Não dá para dizer que a frequência aumentou, mas a divulgação dos eventos aumentou essa percepção. Os registros aqui no Brasil são recentes, então fica difícil você falar em aumento. Mas, quando você pega dados de outros países, como os Estados Unidos, sim, está aumentando a frequência.
Segundo ela, o aumento no número de registros nos últimos anos está relacionado, em parte, à melhora na observação e na popularização das câmeras e dos meios de comunicação, além do trabalho daqueles que monitoram tempestades.
Além disso, muitos tornados ocorrem em áreas rurais ou pouco habitadas, sem testemunhas ou imagens, o que impede a confirmação oficial.
Qual a influência das mudanças climáticas?
O pesquisador Maurício Ilha de Oliveira aponta que não é possível afirmar o grau de influência das mudanças climáticas na formação de tornados, uma vez que essa relação exige estudos mais robustos e séries históricas confiáveis.
— Os tornados oscilam. Há períodos que a gente tem mais, e em outros, menos. Não está numa linha ascendente. Eu não consigo ver só crescimento. E também não temos todos os dados e registros — corrobora Karin Hornes.
Embora as mudanças climáticas possam modificar padrões atmosféricos, como aumentar a energia disponível para tempestades ou alterar a frequência de frentes frias, isso não significa automaticamente mais tornados.
Um ponto citado pelo professor do curso de Meteorologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Renato Ramos da Silva, é o aumento de regiões mais vulneráveis aos impactos desses eventos extremos em virtude da remoção de barreiras naturais, como as árvores.
O desmatamento amplia a fragilidade do solo e favorece potenciais danos quando esses fenômenos ocorrem.
— Quando temos árvores, uma protege a outra. Então, quando se tem fenômenos de ventos muito fortes, as árvores se unem e “se abraçam”, e não caem. Em cidades com poucas árvores, as regiões ficam mais expostas, porque o vento forte vai destruir o que tiver pela frente. Além disso, tem muitas residências. E residências frágeis. Então, as árvores são uma proteção, sim — afirma.
Diferenças entre tornado, ciclone e furacão
Tornado, ciclone e furacão são sistemas muito similares, mas formados em áreas diferentes, e, por isso, chamados de formas distintas. É comum as pessoas confundirem suas características. Entenda algumas diferenças:
Tornado

Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, foi atingido por um tornado na última semana. Foto: Olho Vivo Paraná / Divulgação
Normalmente ocorrem em terra. Assim como os furacões, são muito potentes (a velocidade dos ventos pode variar de 100 km/h a 500 km/h), porém têm diâmetros menores.
Eles deixam um rastro de destruição muito específico, como uma faixa de alguns quilômetros de largura – diferentemente dos furacões, com danos mais espalhados.
Ciclone

Ciclones manifestam-se por meio de fortes tempestades e frentes frias, com chuvas e ventos fortes. Foto:National Oceanic and Atmospheric Administration / AFP
São fenômenos meteorológicos formados a partir de grandes contrastes de temperatura. Eles provocam chuva e ventos com grande intensidade.
Os mais conhecidos são os ciclones extratropicais e tropicais. Manifestam-se por meio de fortes tempestades e frentes frias, com chuvas e ventos fortes.
Furacão

Foto de satélite mostra a chegada do furacão Irene, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos em 2011. Foto: Nasa / AFP
É um ciclone tropical (porque se localiza na região dos trópicos) muito forte. Passa a ser considerado furacão quando a velocidade dos ventos supera os 119 km/h.
A escala que mede os furacões é a Saffir-Simpson, que vai de um a cinco. Um furacão categoria cinco, como o Katrina, que atingiu Nova Orleans em 2005, tem ventos de 249 km/h. São incomuns no Hemisfério Sul.
A exceção foi o Catarina, que atingiu as costas catarinense e gaúcha em 2004, com ventos máximos de 155 km/h (categoria 2 na escala Saffir-Simpson).
Gaúcha ZH
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