O ano de 2022 vai terminar com o fenômeno La Niña no Pacífico, mas 2023 pode ter a volta do temido El Niño. São crescentes os indicativos entre os modelos computadorizados de clima que a fase fria (Niña) do Pacífico Equatorial pode chegar ao fim depois de três anos e que no próximo ano pode se instalar uma fase quente (Niño), o que traria impactos no clima não só do Brasil como do resto do mundo.
De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de -1,1ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada para definir se há El Niño ou La Niña. O valor está na faixa de moderada intensidade de -1,0ºC a -1,4ºC.
Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações mais no verão e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, que chegou a ter uma anomalia de -2,0ºC em outubro, está com -1,8ºC, valor na faixa de forte intensidade, indicando uma forte La Niña costeira.
Tal área do Pacífico tem grande correlação com a chuva no Sul do Brasil durante os meses do final do final da primavera e do verão com maior probabilidade de estiagem se estiver em território negativo e maior chance de chuva perto ou acima da média se estiver em terreno positivo. Se negativa, tende a favorecer mais incursões frias no Sul do país e tardias na primavera.
A forte anomalia negativa no Pacífico Leste explica que a primavera até o momento tenha sido de calor escasso no Sul do Brasil com temperatura abaixo da média em muitas áreas. Nevou no primeiro dia da estação, o que não ocorria há muitos anos, e novembro começou com uma massa de ar frio de incomum intensidade para esta época do ano que trouxe geada em um grande número de municípios, além de um histórico episódio de neve sem precedente conhecido no mês de novembro.
LA NIÑA AINDA VAI SEGUIR POR UM TEMPO
O atual episódio de La Niña ainda está longe de terminar no Pacífico Equatorial. O fenômeno seguirá atuando durante todo o restante da primavera e vai se estender até meados do verão de 2023. Os modelos de clima estão em razoável acordo com as condições de La Niña devem seguir até o fim deste ano de 2022. Divergem sim quanto ao momento da transição para um estado de neutralidade (sem El Niño ou La Niña) no primeiro trimestre de 2023.
A grande questão, portanto, é quando o Pacífico vai passar de La Niña para a neutralidade. Analisando-se as projeções de mais de vinte modelos dinâmicos e estatísticos para o Pacífico se observa que para a maioria esmagadora se daria no decorrer do verão. Para alguns modelos, mais cedo no verão e para outros em meados da estação quente.
São vários fatores determinando que a La Niña segue nos próximos meses. Um, as anomalias de temperatura da superfície do mar excedendo com folga o patamar de La Niña. Além disso, a resposta atmosférica do La Niña está totalmente instalada com o padrão de vento e chuva na faixa equatorial típico do fenômeno. Setembro de 2022 teve o quarto maior valor médio da SOI (Índice de Oscilação Sul) desde 1950, em claro sinal de La Niña. E, por fim, observa-se ainda uma quantidade substancial de água mais fria do que a média sob a superfície, nas profundezas do Pacífico, e que ainda vai emergir na superfície.
SINAIS DE EL NIÑO ENTRE O OUTONO E O INVERNO DE 2023
Conforme a última projeção da Universidade de Colúmbia, em parceria com a NOAA, para o trimestre de outubro a dezembro, as probabilidades são de 93% de La Niña e 7% de neutro. E entre novembro e janeiro, no período crítico para a safra de milho, 84% de La Niña e 16% de neutralidade.
Já no trimestre de verão, de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, as probabilidades são de 72% de La Niña e 28% de neutralidade, o que é pouco conforto para o produtor rural que teme uma nova estiagem. No trimestre de janeiro a março, importante para a cultura de soja, as probabilidades são de 55% de La Niña e 44% de neutralidade.
Por sua vez, no trimestre de fevereiro a abril, quando do começo da colheita da safra de verão, a estimativa atual é de 36% de probabilidade de La Niña e 61% de neutralidade. No trimestre de março a maio, o de outono, que marca o auge da colheita, 21% de La Niña, 74% de neutralidade e 5% de El Niño.
No trimestre de abril a junho, quando ainda há colheita, 13% de probabilidade de La Niña, 74% de neutralidade e 13% de El Niño. No trimestre de maio a julho que encaminha o inverno de 2023, 12% de chance de La Niña, 62% de neutro e 26% de El Niño. E, por fim, no trimestre de junho a agosto, o de inverno em 2023, 12% de probabilidade de La Niña, 52% de neutralidade e 36% de El Niño.
O que chama atenção são os indicativos nos mapas espaciais de formação de uma “língua” de águas mais quentes típica de El Niño em setores mais a Leste do Pacífico Equatorial durante o outono com maior aquecimento próximo da América do Sul, das costas do Peru e do Equador. É o que está mostrando o modelo de clima do Centro Meteorológico Europeu (ECMWF) com uma rápida troca de águas mais frias para mais quentes entre o primeiro e o segundo trimestre de 2023.
Cenário semelhante é apontado pelo North America Ensemble Model, um cojunto de modelos de clima dos Estados Unidos e do Canadá, operado pela NOAA, que da mesma forma sinaliza a formação de uma “língua” de águas superficiais mais quentes do que a média no primeiro semestre de 2023.
O modelo de clima europeu, conforme a sua mais recente projeção mensal, atualizada em 1º de novembro, projeta um aquecimento sustentado das águas do Oceano Pacífico Equatorial ao longo de 2023 com uma provável caracterização do fenômeno El Niño ao longo do próximo ano.
Como há classificação se há ou não El Niño ou La Niña atuando se dá com base na condição de temperatura do oceano no Pacífico Equatorial Central e não mais a Leste perto da América do Sul, um cenário possível a partir do que os modelos indicam é que primeiro se instale um El Niño costeiro, nas costas do Peru e do Equador, no começo do outono.
O QUE É EL NIÑO
Um evento de El Niño ocorre quando as águas da superfície do Pacífico Equatorial se tornam mais quente do que a média e os ventos de Leste sopram mais fracos do que o normal na região. A condição oposta é chamada de La Niña. Durante esta fase, a água está mais fria que o normal e os ventos de Leste são mais fortes. Os episódios de El Niño, normalmente, ocorrem a cada 3 a 5 anos.
El Niño, La Niña e neutralidade trazem consequências para pessoas e ecossistemas em todo o mundo. As interações entre o oceano e a atmosfera alteram o clima em todo o planeta e podem resultar em tempestades severas ou clima ameno, seca ou inundações. Tais alterações no clima podem produzir resultados secundários que influenciam a oferta e os preços de alimentos, incêndios florestais e ainda criam consequências econômicas e políticas adicionais. Fomes e conflitos políticos podem resultar dessas condições ambientais mais extremas.
Ecossistemas e comunidades humanas podem ser afetados positiva ou negativamente. No Sul do Brasil, La Niña aumenta o risco de estiagem enquanto El Niño agrava a ameaça de chuva excessiva com enchentes. Historicamente, as melhores safras agrícolas no Sul do país se dão com El Niño, embora nem sempre, e as perdas de produtividade tendem a ser maiores sob La Niña. O El Niño agrava o risco de seca no Nordeste do Brasil enquanto La Niña traz mais chuva para a região.
A origem do nome “El Niño” data de 1800, quando pescadores na costa do Pacífico da América do Sul notavam que uma corrente oceânica quente aparecia a cada poucos anos. A captura de peixes caía drasticamente na região, afetando negativamente o abastecimento de alimentos e a subsistência das comunidades costeiras do Peru. A água mais quente no litoral coincidia com a época do Natal.
Referindo-se ao nascimento de Cristo, os pescadores peruanos, então, chamaram as águas quentes do oceano de El Niño, que significa “o menino” em espanhol. A pesca nesta região é melhor durante os anos de La Niña, quando a ressurgência da água fria do oceano traz nutrientes ricos vindos do oceano profundo, resultando em um aumento no número de peixes capturados.
O último episódio de El Niño se deu entre 2015 e 2016 e foi de muito forte intensidade, o que rendeu a expressão Super El Niño e o apelido de “El Niño Godzilla”. Este evento foi responsável por grandes enchentes no Sul do Brasil e os maiores picos de cheia do Lago Guaíba, em Porto Alegre, desde as enchentes históricas de 1941 e 1967.
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