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O Brasil voltou ao passado na economia, no bem-estar da população, na educação e no meio ambiente, exibindo indicadores que remontam a até 30 anos. Recessão, pandemia e desmonte de políticas públicas acentuaram nos últimos dois anos um processo de retrocesso social.

Trouxeram de volta a fome, a pobreza, a evasão escolar, o desmatamento, a inflação, ameaçando o desenvolvimento do País, alertam especialistas. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, surpreendeu-se com o recuo de tantos índices.

“É uma volta muito grande no tempo”, diz, referindo-se ao Produto Interno Bruto (PIB) de hoje, equivalente ao de 2013, e à produção de automóveis, a mesma de 2006, há 16 anos:

“A produção de bens de consumo duráveis (carros e eletrodomésticos) está igual à de 18 anos atrás. Parece uma situação de guerra, voltando tragicamente no tempo”.

A economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FGV, calculou que somente em 2029 vamos voltar ao maior valor real do PIB per capita, de R$ 44 mil, atingido em 2013, considerando a média de crescimento dos últimos anos do país, em torno de 1,5%.

“Vamos conviver com menos crescimento, inflação difícil de ser combatida, mais juros e equilíbrio ruim no mundo”, prevê.

Retrocessos sociais se acumulam. A fome agora atinge 33 milhões de brasileiros, mesmo número de 1992. Quando o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, em 2014, eram 9,5 milhões nessa situação.

“O País desabou”, resume Francisco Menezes, consultor da ActionAid, uma das organizações da Rede Penssan, que divulgou os números da fome semana passada.

“Três fatores explicam essa situação. O primeiro é o forte empobrecimento de grande parte da população. O segundo foi o comportamento do mercado de trabalho, com desalento e queda da renda média (que é a mesma de 2011). O terceiro é o desmonte dos programas de segurança alimentar e proteção social”.

Na educação, as crianças perderam mais. A evasão escolar na faixa de 5 a 9 anos está igual à de 2012, de acordo com estudo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social:

“Chamou a atenção a piora entre as crianças mais novas, especialmente entre 5 e 6 anos, depois de grandes progressos nos últimos 40 anos”.

“Desafios são enormes”

Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco, diz, com base em avaliação feita no Estado de São Paulo, que houve atraso escolar em todas as etapas, porém com mais intensidade entre as crianças, ameaçando uma etapa da educação que ele considera ser a que mais precisa da socialização proporcionada pela escola. O nível de aprendizado de matemática voltou a 2007, e o de português, a 2011.

“Na educação, o retrocesso é categórico. Os desafios são enormes. São alguns anos a serem recompostos”, diz.

No meio ambiente, voltou-se ao passado de desmatamento crescente. Na Amazônia, onde há duas semanas foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, o corte de árvores nunca foi tão grande.

“Nunca imaginávamos voltar a 10 mil quilômetros de área desmatada. É um método de desfazer a governança sobre o tema ambiental que vem sendo feito sistematicamente em todas as áreas. Tira o orçamento, tira o pessoal competente, cria níveis de burocracia adicionais para penalizar pelo ilícito, legaliza coisas ilegais, não cria unidades de conservação e tenta eliminar as que existem”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do Mapeamento Anual da Cobertura do Solo no Brasil (MapBiomas).

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil hoje é praticamente o mesmo de 2013, há oito anos, conforme divulgou o IBGE no início do mês. Tirando os serviços e a agropecuária, todos os grandes setores da economia ainda estão tentando pôr a cabeça fora d’água, para voltar a uma trajetória de crescimento, já tendo recuperado o que perdeu nos anos de crise.

Há uma questão estrutural por trás, observa Sergio Vale, da MB Associados. Os investimentos e o consumo das famílias retrocederam a 2015, e a indústria, a 2009.

Segundo Rebeca Palis, do IBGE, tanto o consumo como os investimentos perderam na recessão de 2014 e 2015, mas, na pandemia, o gasto das famílias sofreu mais. Para Silvia Matos, da FGV, “o mau humor dos consumidores é muito elevado”:

“Estão olhando a economia de maneira negativa, com inflação muito forte. Há uma fragilidade institucional permeável a grupos de interesse para aumentar gasto (público), com resultado no câmbio e mais inflação”.

Somente em 2003 o Brasil conviveu um índice de inflação tão alto como agora. Foi o primeiro ano do governo Lula, logo após a disparada do dólar no ano anterior, que refletia a incerteza com o novo governo. Agora, um conjunto de fatores fez o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE, alcançar 11,73% no acumulado em 12 meses até maio. É comparável aos 11,02% de quase 20 anos atrás.

O governo Bolsonaro já cortou impostos da cesta básica e dos combustíveis e trocou o comando da Petrobras três vezes. O Congresso aprovou um teto para o ICMS de diesel e gás, mas nada ainda foi capaz de conter a inflação puxada pelas commodities.

A pandemia provocou gargalos na produção global, secas e geadas afetaram a produção de alimentos e de energia elétrica, e a instabilidade política fez o dólar subir, contaminando os preços internos, lembram os analistas. Com isso, a taxa básica de juros (Selic) da economia subiu para 13,25%, a maior desde o fim de 2016 (13,75%).

A pobreza que se vê nas ruas e periferias de hoje está no mesmo nível da registrada entre 2009 e 2011. Os avanços nesse indicador social foram perdidos, nos cálculos do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social:

“A insegurança alimentar segue a extrema pobreza. Quando piora a extrema pobreza, piora mais ainda a situação de fome”.

A pobreza chegou a 8,4% dos brasileiros em 2014 e teve queda forte em 2020, com a distribuição do Auxílio Emergencial, para 4,8% em agosto daquele ano.

Mas foi um ganho fugaz. Em outubro de 2021, já havia subido para 13%. Com outra linha de pobreza, Neri viu que, no fim de 2021, o indicador recuou para 10,8%, mas não são métricas comparáveis, ressalta.

Para a socióloga Letícia Bartholo, a reativação de programas de assistência desmontados “não é fácil, não é rápida e vai demorar alguns anos”:

“Mas pode ser encurtada se retomada a profissionalização do Estado, entregando as áreas a quem entende, abrindo espaço para o diálogo”.

A Rede Penssan, que reúne organizações como ActionAid e Ação da Cidadania, mostrou na semana passada que a fome atinge 33 milhões de brasileiros, o mesmo número de 1992. Uma volta no tempo de três décadas para o País que havia saído do Mapa da Fome da ONU em 2014, com 9,5 milhões, ou menos de 5% da população, com fome. Hoje, são 15%.

A substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil dobrou o valor, com piso de R$ 400, mas reduziu a eficiência do programa com o esvaziamento do Cadastro Único (que mapeia famílias necessitadas) e de políticas de segurança alimentar, como a aquisição de alimentos da agricultura familiar, cujo orçamento caiu de R$ 550 milhões em 2012 para R$ 53 milhões.

O quadro torna a crise mais aguda para os pobres, explica Francisco Menezes, da ActionAid. “A fome cresce em velocidade desproporcional ao cenário de crise e pandemia, com a péssima condução da política social”, diz Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco.

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