““Ela deu a vida pela filha”. É assim que a estudante Taciane Mayra Chaves se refere à irmã Jéssica Cordeiro, de 24 anos. Com cardiopatia e hipertensão pulmonar — que dificulta a passagem do sangue pelas artérias e veias pulmonares — , Jessica ficou grávida em outubro de 2018 e descobriu que corria risco de morte ao manter a gestação.
“Falaram que ela tinha que abortar até o terceiro mês, mas minha irmã disse que não faria isso”, relata a moradora de São Mateus do Sul, no Paraná.
De acordo com o pneumologista Caio Fernandes, pacientes com esse quadro de saúde são orientadas a evitar a gravidez porque apresentam 80% de chance de morrer durante a gestação ou logo após o parto. “Pessoas com insuficiência cardíaca que desenvolvem a hipertensão pulmonar [como Jéssica] têm as artérias pulmonares doentes e sua pressão pulmonar sobe”, explica.
Segundo ele, isso piora ainda mais durante a gravidez porque o corpo da mulher precisa bombear uma quantidade de sangue maior do que o normal. “Como o coração já não é bom, ele pode entrar em insuficiência nesta fase, colocando em risco a vida da gestante”. Além disso, menos sangue é enviado para o corpo inteiro, podendo afetar também a placenta e prejudicar o desenvolvimento do bebê.
No entanto, a são-mateuense tinha o sonho de ser mãe, decidiu manter a gravidez e, em dezembro, descobriu que esperava uma menina saudável, o que a encheu de esperança. “É um pouquinho minha, um pouquinho sua e para sempre nossa”, escreveu a jovem na legenda de uma foto com o noivo Diogo Ferreira Przyvitowski em seu Facebook.
Para garantir que a filha Martina se desenvolvesse bem, Jéssica recebia acompanhamento médico de especialistas em gestações de risco do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC) e realizava exames de ultrassom a cada 15 dias. “Mesmo assim, ela sofreu várias ameaças de aborto e, a cada sangramento, corria de novo para o hospital”, recorda Taciane, que viu a irmã passar dias em repouso e tomar remédios para manter o bebê. “Era difícil, mas ela conseguiu e estava indo tudo bem”.
A partir do 5.º mês, no entanto, a gestante precisou viajar para Curitiba com mais frequência. “Os médicos falaram que ela teria que usar oxigênio até ganhar o bebê, então ela saía de São Mateus do Sul duas ou três vezes por semana”, afirma a irmã, que via Jéssica enfrentar a distância de 150 quilômetros com alegria e coragem.
“Estamos aqui dando um passo de cada vez, lutando por nós e por várias outras pessoas, querendo fazer história e o milagre acontecer”, escreveu a gestante em suas redes sociais no dia 4 de abril.
Onze dias após a postagem no Facebook, Jéssica descobriu no exame de ultrassom que a bebê Martina estava em perigo e precisaria de uma cesariana de emergência para sobreviver. O parto prematuro, aos sete meses de gestação, foi realizado no HC na quarta-feira (17) com mais de 10 médicos presentes na sala. De acordo com Taciane, a bebê tinha 29 semanas, nasceu com 33 centímetros de comprimento e 900 gramas.
A menina foi encaminhada à UTI Neonatal com quadro estável de saúde, e Jéssica parecia estar bem. “No sábado (20), eles até a levaram para conhecer a Martina por 30 minutos e ela falou que a bebê era pequenininha, muito linda e guerreira”, recorda a irmã, que viu Jéssica passar mal no dia seguinte e sofrer várias paradas cardiorrespiratórias.
Segundo ela, a jovem chegou a ser sedada e entubada na segunda-feira (22), mas faleceu na madrugada desta terça-feira (23), seis dias após o nascimento da filha. “Foi a pior notícia da nossa vida, mas eu sei que minha irmã foi muito guerreira e uma mulher vitoriosa”. Ainda de acordo com Taciane, nesta quarta-feira (24), a bebê já estava com 1 kg, segue saudável e deve permanecer internada por até 45 dias.
Cardiopatia
De acordo com a Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), a hipertensão arterial pode atingir mulheres em qualquer fase da vida e já se tornou a principal causa de morte materna no mundo. Ao todo, as complicações relacionadas à hipertensão durante a gravidez são responsáveis por 15% das mortes de gestantes no Brasil, o equivalente a uma vítima por dia. Por isso, o diagnóstico precoce e correto deve ser realizado por um obstetra no início da gravidez.
“É importante que essas pessoas sejam colocadas em um programa de gestação de alto risco e que sejam avaliadas o tempo inteiro por cardiologistas, além do obstetra”, orienta o médico José Knopfholz, diretor da Sociedade Paranaense de Cardiologia.
Mas não é necessário aguardar a gravidez para obter um diagnóstico. De acordo com o cardiologista, todas as mulheres que sofrem com pressão alta precisam do acompanhamento médico adequado. “Isso deve ser feito antes e durante a gravidez”.
Além disso, ele destaca que o problema também pode afetar mães que não eram hipertensas antes da gestação, principalmente mulheres obesas, diabéticas e com antecedentes de hipertensão na família. Portanto, a realização do pré-natal desde o início da gestação e a manutenção de hábitos saudáveis são essenciais para a prevenção.”
Gazeta do Povo