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Foto: Renan Mattos (Diário)

Todo o dia 21 de cada mês, na Igreja São José, em Dona Francisca, é celebrada uma missa especial em memória ao coroinha Adílio Daronch e ao padre Manuel Gonzales, assassinados a tiros em uma emboscada há 95 anos, no interior de Três Passos, região Noroeste do Rio Grande do Sul.

Nessas celebrações especiais para os devotos dos Beatos da Fé, como ficaram conhecidos o sacerdote e seu auxiliar, o povo pode tocar em fragmentos de ossos recolhidos na localidade de Feijão Miúdo, onde padre e coroinha foram emboscados, amarrados em uma árvore, torturados e fuzilados em 21 de maio de 1924.

As relíquias, em forma de medalha, protegidas por um suporte, repousam na Igreja Matriz de Dona Francisca, município de 3 mil habitantes, na Quarta Colônia, onde Adílio nasceu em 25 de outubro de 1908. A cidade receberá, em setembro deste ano, pedaços de madeira da árvore em que ele e padre Gonzales foram amarrados. A chegada de mais uma relíquia à Igreja São José vai marcar os 111 anos de nascimento do coroinha.

Todos os anos, no quarto domingo de setembro, Dona Francisca sedia uma procissão para celebrar os beatos, em particular o menino que se tornou especial na vida da comunidade local e a quem são atribuídos milagres e graças, como a cura de doenças graves.

A comprovação dessas intercessões milagrosas do coroinha e do padre faz parte do processo de canonização dos dois religiosos, em andamento no Vaticano. Em 21 de outubro de 2007, Adílio Daronch e Manuel Gonzales foram beatificados em uma cerimônia religiosa para milhares de pessoas em Frederico Westphalen, com a participação de um representante do Papa.

O título de beato é o penúltimo antes de uma pessoa ser declarada santa pela Igreja Católica. Os candidatos passam por uma série de etapas que incluem investigação minuciosade seus atos, provas de sofrimento e a comprovação de, pelo menos, um milagre com a intermediação deles por meio de testemunhos e provas.

Porém, mesmo que ainda não sejam reconhecidos oficialmente pela Igreja Católica como santos, os beatos Adílio Daronch e Manuel Gonzales já são cultuados por moradores de cidades gaúchas com os quais eles têm alguma relação histórica e afetiva, como Dona Francisca, Nova Palma, Três Passos e Nonoai.

ELES AFIRMAM TER SIDO SALVOS POR MILAGRE DOS BEATOS

Todos os meses, no dia 21, o agricultor José Esperdião, 52 anos, vai à missa para agradecer os Beatos da Fé por uma graça alcançada. Morador da localidade de Linha do Moinho, na zona rural de Dona Francisca, Esperdião atribui ao coroinha e ao padre a cura de uma leucemia diagnosticada em janeiro de 2016.

Um mês antes do diagnóstico da doença, em dezembro de 2015, o corpo do agricultor começou a apresentar vários sintomas de que algo não ia bem com sua saúde.


Foto: Renan Mattos (Diário)

O primeiro sinal foi o surgimento de uma herpes. Depois, ele começou a sentir uma dor insuportável nos braços e passou a um quadro febril.

– Eu sentia aquela dor horrível no braço e passei a sentir frio e a suar muito, até que o médico disse para a minha esposa que eu tinha leucemia mielóide aguda, um tipo grave de leucemia – recorda Esperdião.

O anúncio da doença foi passado pelo médico à mulher do paciente, a professora e agricultora Maria Magdalena Tagliapietra, 66 anos. A partir da revelação do quadro de saúde, Esperdião foi internado no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) para tratamento de quimioterapia e para aguardar na fila de transplante de células-tronco.

O casal já vinha de duas tragédias. Há 10 anos, perdeu o filho Leonardo, então com 12 anos, em um acidente no interior de Nova Palma, onde a família morava. Por insistência de Luciano, outro filho do relacionamento, Esperdião e Maria Magdalena mudaram-se para a propriedade de 14 hectares, em Dona Francisca. Em 27 de janeiro de 2013, Luciano, militar do Exército, morreu no incêndio que vitimou 242 pessoas na boa Kiss, em Santa Maria.

Um dia, durante o quase meio ano de internação no Husm, Esperdião, que já era devoto dos beatos, contou sobre sua crença ao médico e dormiu. Ao acordar, deparou com as imagens do coroinha e do padre no corredor do hospital. O agricultor conta que, a partir desse fato que ele não considera uma simples coincidência, seu quadro de saúde começou a melhorar rapidamente.

– Comecei a me sentir melhor e não precisei do transplante. Os médicos me disseram que foi um milagre – relata o agricultor

Durante esta reportagem, no dia 27 de janeiro, quando a tragédia da Kiss completava sete anos, Esperdião e Maria Magdalena relembraram o fato. E, ao pegar o folheto com a história dos beatos, para a fotografia e a gravação do vídeo da entrevista, Esperdião não segurou as lágrimas, beijou o folheto e murmurou:

– Meus queridos, que me trouxeram de volta.

Ainda sob acompanhamento, o morador de Dona Francisca acredita piamente que houve a intercessão do padre e do coroinha para que ele fosse curado. Na cidade, os comentários sobre esse e outros supostos milagres correm de boca em boca.

Outro testemunho de cura atribuída aos beatos é relatado pelo funcionário público municipal José Chelloti, 53 anos. O servidor da prefeitura conta que, durante o parto, ele e a mãe foram vítimas do que, hoje, chama – seviolência obstétrica. O resultado foi um conjunto de problemas que quase tiraram a vida do bebê.

TESTEMUNHAS OFICIAIS

O fato de ter ficado com apenas uma sequela – a perda de visão total do olho direito – se deve, segundo Chelloti, a um pedido feito pela mãe aos mártires Adílio Daronch e Manuel Gonzales.


Foto: Renan Mattos (Diário)

Na época, moradores de Dona Francisca já acreditavam na santidade da dupla e rezavam por eles, embora nem se falasse em canonização.

– Quando eu estava por nascer, o médico da cidade estava de férias, fora da cidade. Na hora do parto, minha mãe foi atendida por dois médicos uruguaios que machucaram muito eu e minha mãe, tanto que rompeu o nervo óptico do meu olho direito. Minha mãe era vizinha da dona Zulmira, irmã do coroinha, que falou para que ela fizesse um pedido ao irmão e ao padre. Na época, nem minha sabia quem era o coroinha – conta Chelloti .

Os dois moradores já foram procurados para darem seus testemunhos no processo de canonização. No entanto, mesmo que o título demore muitos anos e, talvez, nem chegue a tempo de eles comemorarem, Daronch e Gonzales já são considerados santos por Chelloti e Espirdião, assim como por outros devotos dos beatos fuzilados por conta da polarização política e da intolerância que reinou no Rio Grande do Sul.

Reportagem completa no link abaixo:

https://diariosm.com.br/regi%C3%A3o/dona-francisca/v%C3%ADdeo-fotos-moradores-de-dona-francisca-contam-milagres-feitos-por-padre-e-coroinha-1.2144485?fbclid=IwAR3x4WoYxpvsfCkhMrUyWWyE9DRHc1uujqsDCsr2tOuU7DGuJym2JdZlRS8