Geral, Polícia
Foto; Reprodução RBSTV

Um homem que se diz curandeiro teria contribuído para a morte de uma mulher de Caxias do Sul, na Serra. De acordo com a família, Silvana Andelieri morreu de câncer depois de seguir orientações do homem para deixar de fazer quimioterapia e começar uma dieta.

Rui Carlos Muller se denomina “terapeuta sensitivo”. Confrontado pela reportagem da RBS TV durante uma consulta, Rui não quis se manifestar.

O marido de Silvana, Márcio Rodrigo Andelieri, contou à reportagem que a esposa começou o tratamento com quimioterapia em fevereiro, quando o tumor no fígado foi diagnosticado.

“Foi através de uma amiga dela que tinha um restaurante vegano aqui em Caxias [que conheceu Rui]. A minha esposa ia almoçar de vez em quando lá e, no dia que ela fez a segunda sessão de quimioterapia, ela passou mal e falou com essa amiga, e ela disse: ‘Para, não usa essas química no teu organismo! Tem um cara em Porto Alegre que vai te ajudar’, e passou o contato dele”, conta.

“Ela dizia que ele tinha a cura, que era tratamento alternativo e, com uma dieta e alguns tratamentos que não fossem a quimioterapia, ela conseguiria se curar. Era a única forma que ela conseguiria se curar”, conta o filho, André Luiz Bachi Andelieri.

O atendimento foi feito por videoconferência. A irmã da vítima, Silvia de Lima, conta que a promessa era de uma cura milagrosa através de uma dieta.

“Pão integral, milho, nada de verduras, nada de outras frutas, nada, tirou água. ‘Não precisa tomar’, ele dizia. Sendo que quem faz quimio tem que beber muita água p\ra desintoxicar o corpo. Então ele dizia que não tem que tomar água, que tu não sabe do que que era, e cada vez que ela falava com ele era um absurdo”, diz.

A dieta proposta por Rui proibia também a ingestão de açúcar, folhas verdes e algumas frutas.

“O açúcar branco alimenta as células cancerígenas, a primeira coisa que ele falou. Que os vegetais são para os animais. Está na bíblia. As frutas cítricas são ácidas, enferrujam e apodrecem. Vai fazer a mesma coisa no organismo. As fibras não são necessárias”, diz Márcio, reproduzindo as falsas alegações do curandeiro.

Em vídeos publicados na internet, Rui Muller defende a suposta dieta milagrosa no lugar da quimioterapia, e expõe teorias sem comprovação científica.

“O que é câncer? São aglomerados de toxinas. Mulher que tem câncer no seio ou extirpa, ou faz quimioterapia, e daí? Toda doença tem cura. Tem que parar de ingerir toxina. As piores: arroz branco… Carne é alimento morto, é cadáver. Tudo que galinha come, fungos, sarnas, vai para a gema. A gema é alimento de mais podridão na natureza. Todo remédio que é vitamina C, não tome pelo amor de Deus”, descreve.

A família conta que Silvana foi convencida pelo falso curandeiro a abandonar o tratamento médico e começar a fazer a dieta. Porém, meses depois, começou a se sentir fraca.

“Ela tinha feito quimios, então, nesse período, o câncer dela tinha diminuído e ela parou de se alimentar. O organismo começou a enfraquecer, o câncer começou a virar metástase e aí ela começou a ficar ruim. Relutou para procurar um médico porque ele dizia que não adiantava ela procurar um médico, que era coisa da cabeça dela, que tinha ‘mimimi’, que tinha que parar de ficar chorando pelos cantos e se lamentando porque ela não tinha mais nenhuma doença”, conta a irmã.

“Ela foi ficando fraquinha até chegar no ponto que ela chegou, não tinha força nem pra falar, e teve que se alimentar por sonda depois”, relata o marido.

Márcio diz que o tratamento milagroso custou 11 transferências bancárias que somam R$ 3 mil.

A presidente do Conselho Regional de Nutricionistas da 2ª Região, Magda Ambros Cammerer, diz que a paciente começou a deixar de comer alimentos importantes para qualquer estado nutricional.

“Como o ovo, que é um alimento proteico importante, as folhas verdes, o arroz. São alimentos que a gente não deve cortar de forma nenhuma de alimentação, principalmente de um paciente doente. A consequência natural seria o emagrecimento muito acentuado da paciente”, diz.

Falsa consulta

Em busca de justiça, Márcio decidiu marcar uma consulta com o curandeiro, se fazendo passar por um paciente com câncer.

“Inventei que tinha um câncer no intestino e ele disse que é sensitivo, que viu que eu não vou até o final do ano, mas antes tem que pagar”, conta.

A reportagem da RBS TV acompanhou a consulta com uma câmera escondida.

Rui diz ser capaz de ver os ossos do paciente e receita uma dieta para a cura de um câncer que Márcio não tem.

“O rosto dele está com muito muco, nós vamos ter que trabalhar esse muco todo. Vai cair para o teu corpo, então tu não vai poder comer banana, por exemplo. Banana é mucosa demais”, disse.

Ele também reafirmou a importância de uma dieta sem água e folha verde. “A folha verde é só com os animais”, sugere de forma enganosa.

“Essas dietas não indicadas por profissionais podem acarretar mais danos. Inclusive pode diminuir a imunidade, pode ser mais suscetível a outras doenças, ou potencializar o efeito desse câncer”, diz o médico oncologista Eduardo Trindade.

Passagens pela polícia

A primeira queixa contra Rui Carlos Muller foi feita há 20 anos. Na época, uma paciente dele, de Jaguarão, procurou a polícia para denunciar que foi atraída pelas curas milagrosas prometidas por Rui, e que foi enganada durante uma consulta para tratar um problema no nariz e perda auditiva.

Sem examiná-la e nem perguntar sobre o estado de saúde, ele teria receitado pingar limão nos olhos e ingetar glicerina líquida via retal. Na época, ele foi indiciado por estelionato e curandeirismo. Só que o processo foi arquivado em 2005.

“Curandeirismo na medida em que eles acabaram ministrando e prescrevendo substâncias e também fazendo diagnósticos que seriam tarefas de médicos formados em medicina. Estelionato por terem enganado as pessoas, porque, na verdade, os seus tratamentos não foram suprimidos ou levados adiante pelas práticas estranhas que nos foram relatadas a época”, diz o delegado Max Otto Ritter.

O histórico policial de Rui também tem denúncia por exercício ilegal da profissão, em 2016, pelo Conselho Regional de Nutricionistas.

“Ele é um indivíduo que efetivamente vende o serviço que é ilegal, e não tem habilitação nem para o exercício da nutrição nem para o exercício da medicina É um estelionato”, diz o advogado do Conselho de Nutricionistas do RS, Marco José Stefani.

Segundo o Ministério Público, esse processo também foi arquivado em razão de a polícia não ter encontrado indícios de crime. Diante das novas denúncias, um inquérito deve ser aberto.

“Se comprovados os fatos e essa morte desta senhora também vítima de câncer, e que tenha recebido tratamento inadequado, certamente receberá a devida responsabilização criminal também”, destaca o delegado Max.

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