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Prática da pesca esportiva atrai turistas de diversos estados do país a Porto Xavier. Foto: André Ávila / Agencia RBS

A aliança entre beleza natural e pesca esportiva está intensificando o fluxo de turistas em Porto Xavier, cidade gaúcha de 9,9 mil habitantes localizada nas Missões, à margem do Rio Uruguai e na fronteira com a Argentina.

A curiosidade principal, suficiente para fisgar viajantes de todo o Brasil, é o dourado. Um peixe carnívoro que, em média, alcança entre 5kg e 10kg na região, mas que encanta pela sua coloração amarelo-ouro, como sugere o nome. O Rio Uruguai, de correnteza, é propício para o animal, que, caso fisgado, precisa ser imediatamente devolvido à água por estar listado em um decreto estadual de espécies sob risco de extinção. Não observar o alerta pode caracterizar delito ambiental. No curso d’água que separa o Brasil e a Argentina, também é frequentemente encontrada a piapara, que pode ser pescada, abatida, consumida e comercializada.

Um componente importante sobre os adeptos, fundamental para colocar cada vez mais Porto Xavier no roteiro de destinos turísticos, é a paixão.

— Tem gente que é fascinada pela pesca. São pessoas que vêm para passar o dia inteiro no rio. Só saem para comer. É um fascínio como o do futebol, como o de Grêmio e Inter — descreve Davio Weber, o Cabrita, proprietário de um pesqueiro à margem do Rio Uruguai.

O dourado produz encanto adicional. A força e a resistência do peixe exigem destreza de quem maneja o molinete. Um duelo que se revela desafiador.

— É um bicho muito forte. Ele salta bastante para tentar tirar a isca da boca. É o que fascina. O pescador precisa trabalhar bastante para ter êxito — diz Sandro André Diel, gerente da Pousada Biguá, especializada em hospedar fãs da atividade.

A beleza natural é somada ao sentimento. A bordo de um barco de seis metros de comprimento, com propulsão a motor, o turista sente límpida e refrescante brisa no rosto. O rio, largo e de mata ciliar preservada à margem, com silêncio profundo rompido apenas pelo ronco da embarcação, é a imensidão e a paz. No horizonte, o Uruguai, a vegetação e o céu se tocam e viram uma coisa só.

São esses componentes que estão reforçando a posição de Porto Xavier no circuito da pesca esportiva, caracterizada pela finalidade de lazer, sem objetivo comercial. A prefeitura do município, distante 552 quilômetros de Porto Alegre, informa que foram recebidos, em 2023, 5.370 turistas de pesca, com hospedagem média de três dias. Isso significa que o volume de visitantes alcançou o equivalente a 54% da população local. Essa foi a primeira estatística de turismo produzida pela cidade missioneira.

— Os pescadores são pessoas de poder aquisitivo. O impacto é positivo porque é um dinheiro que fica na cidade, aquece a economia, gera empregos diretos e indiretos. Vem crescendo ano após ano — afirma Ovídio Kaiser, secretário de Desenvolvimento, Turismo e Mercosul de Porto Xavier. 

A administração municipal aponta o funcionamento de cinco empresas, mas duas delas são consideradas as principais: o Pesqueiro do Cabrita e a Pousada Biguá, ambas visitadas pela reportagem. As demais são o Ponto do Dourado, o Rancho Costeiro e o Rancho Paraíso. 

Pesca, descanso e mesa farta

Um turista pode entrar em um pesqueiro para não sair mais durante o tempo da estadia. Os locais são estruturados com quartos, cozinhas, refeitórios, petrechos de pesca e auxílio de guia. Por valores diários entre R$ 600 e R$ 900, o visitante tem direito a três refeições ao dia e lanches. Iguarias costumam ser preparadas sobretudo para o almoço e a janta. No Cabrita, toda a carne de gado assada é criada e carneada na propriedade. Já no Biguá, uma das especialidades é o assado no estilo parrilla, incluindo peças de ovino.

Pesqueiro do Cabrita / Divulgação
Davio Weber, o Cabrita, é proprietário de um pesqueiro. Foto: Pesqueiro do Cabrita / Divulgação

A bebida é inclusa no pacote. Além de água e refrigerante, são oferecidas variedades de chopes, cervejas, e, para quem quiser um trago mais forte, há opções de gin, Campari e Fernet. O Biguá conta com uma carta de vinhos. 

Cabrita, um alemão zombeteiro que dispara pencas de áudios no WhatsApp para responder a potenciais visitantes, diz que a maioria do público é interessado na pesca, desde os principiantes até os experientes. Contudo, há diversidade. Ele relata que alguns hóspedes têm mais gosto pelo contato com a natureza. Outros preferem se reunir em torno de mesas fartas com amigos. No Cabrita, predominam os gaúchos, embora haja destaque para catarinenses e paranaenses.

— Eu aprecio a pesca desde guri. Aqui (Cabrita) está reunido tudo que eu gosto: é tranquilo e o pessoal é simples. A minha esposa vem junto. Em termos de peixe, já foi melhor, mas continua sendo muito bom — afirma Flavio Xaubet, morador de Estância Velha. 

Os pesqueiros atendem a todo curioso interessado em fisgar um peixe no Rio Uruguai, mesmo que seus conhecimentos sejam nulos. Todas as embarcações são lideradas por um guia, chamado também de piloteiro. Para auxiliar aprendizes, ele pode atar a isca ao anzol, fazer o lançamento e o recolhimento.   

A experiência do guia é fundamental para a segurança. O Rio Uruguai combina trechos rasos e profundos. No solo, é permeado por pedra. Quando o nível não está elevado, cachoeiras se formam no curso, e picos rochosos podem ser avistados. No caso das pequenas embarcações, é importante que o guia conheça os segredos da bacia para deslizar sobre a água sem choques nos obstáculos.

Insegurança, pesca para pesquisa científica e licença argentina

A pesca esportiva vive, atualmente, dias de insegurança no Rio Grande do Sul. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) criou formalmente, em dezembro de 2023, um grupo de trabalho para a conservação do dourado. Na última semana, a secretária Marjorie Kauffmann informou a lideranças políticas envolvidas no tema que está encaminhada a realização de monitoramento de estoques do dourado nas bacias dos rios Uruguai e Jacuí por meio da pesca esportiva, com devolução do animal à água. 

Em parceria com as prefeituras, a pesca esportiva está em vias de ser autorizada, ao menos temporariamente, para fins exclusivos de pesquisa científica. Abate e comercialização seguiriam vedados. Os municípios e universidades colheriam dados junto aos pescadores esportivos e, a partir disso, avançariam em estudos sobre o dourado. Um dos objetivos é verificar se a espécie segue ameaçada e, eventualmente, em qual nível de criticidade. Ela recebeu essa classificação em um decreto estadual de 2002, posteriormente substituído por outro de 2014. O futuro da atividade, após o estudo, permanece incógnito.

— Essa pesquisa seria feita também aproveitando a pesca que acontece hoje, mesmo a do turista. Com o tempo, vai ser concluída e a nossa expectativa é de que, a partir de dados técnicos, a Sema autorize (definitivamente) — diz o deputado estadual Eduardo Loureiro (PDT), que tem participado das discussões oficiais. 

O tema é complexo e alcança divergências entre as instituições. A superintendência federal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) respondeu à reportagem que, entre fevereiro e setembro de cada ano, fora do período de defeso, a pesca é autorizada no Rio Uruguai. A unidade nacional da autarquia informou que fisgar esportivamente o dourado é permitido, com a posterior devolução à água. A Sema entende, hoje, que mesmo a fisgada esportiva do dourado é vedada pelo fato de o animal constar em lista de espécies ameaçadas. O órgão combina o decreto estadual com uma lei federal de condutas lesivas ao meio ambiente para classificar a atividade como potencialmente delituosa. 

Já o analista ambiental Maurício Vieira de Souza, da superintendência gaúcha do Ibama, tem posição alinhada à da Sema: o decreto estadual que lista o dourado como ameaçado de extinção retira a possibilidade de captura. Mas, mesmo neste caso, há ponderações.

— Se a pessoa pescar involuntariamente, se cair um dourado na linha, tem de devolver imediatamente à água. Se pescar e soltar, não está cometendo delito. A lei garante essa proteção porque não tem como prever. Mas, se deixar o peixe dentro do barco, se resolver ficar com ele, transportar ou assar, comete um crime ambiental — alerta Souza. 

Diante do cenário complexo, os pesqueiros, o mais antigo deles com 17 anos, estão atuando no lado argentino do rio, com a emissão de licença no país vizinho.

Existe unanimidade quanto à permissão de pesca da piapara, conhecida localmente como piava, também encontrada por turistas e ribeirinhos no Rio Uruguai. Essa espécie pode ser capturada, abatida, consumida ou comercializada.

Dourado na água 

As empresas turísticas asseguram que é do seu interesse fazer ser cumprida a proibição de abate e comercialização do dourado. Em geral, os pescadores removem o anzol, fazem imagens de recordação e devolvem à água.

Pousada Biguá / Divulgação
Diel, da Pousada Biguá: pesca predatória pode escassear presença de peixes. Foto: Pousada Biguá / Divulgação

Os empreendedores ouvidos pela reportagem afirmam que os hóspedes são avisados com antecedência da obrigatoriedade de cumprir as restrições. Na avaliação deles, a pesca predatória pode escassear a presença dos peixes e levar à decadência do negócio. 

— Se o turista não pegar o peixe, por melhor que seja o nosso atendimento, ele não vai mais retornar após a segunda vez — avalia Diel, do Biguá. 

No final de semana entre 29 e 31 de março, ele contabilizava 16 hóspedes vindos de São Luís (MA), Araçatuba (SP) e Porto Alegre (RS).  

Maurício Vieira de Souza, do Ibama-RS, destaca que o dourado está no topo da cadeia alimentar e atua como regulador de populações. A ausência ou escasseamento do predador pode gerar superpopulações de outras espécies.

— Preservar o dourado ajuda a manter o equilíbrio de toda a cadeia — diz Souza. 

Período de defeso na bacia do Rio Uruguai e regras para a pesca esportiva

  • A instrução normativa 193/2008, do Ibama, veda a pesca na bacia do Rio Uruguai, nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre 1º de outubro e 31 de janeiro. No chamado período de defeso, é proibido pescar com embarcação a motor e petrechos. 
  • Entre 1º de fevereiro e 30 de setembro de cada ano, a pesca é permitida no Rio Uruguai. Para espécies como a piapara não há restrição de captura e abate. No caso de fisgar o dourado, é necessário devolvê-lo à água. 
  • É importante observar as medidas de ordenamento da pesca amadora e esportiva, descritas na portaria 616/2022 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A norma estabelece os petrechos permitidos para a pesca, os limites de captura e transporte e determina a emissão da licença de pescador amador ou esportivo. 

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Gaúcha ZH