Geral
Gilmar Fraga / Arte GaúchaZH

Suponha que você tem um volumoso maço de cédulas graúdas na carteira, mas ninguém aceita seu dinheiro. Em lojas, restaurantes, meios de transporte e até no pipoqueiro do parque as suas notas são consideradas não mais do que tiras de papel colorido. Não servem para nada.

Parece um sonho ruim, mas está perto da realidade em certas partes do mundo, onde o dinheiro em espécie corre risco de extinção e não é mais recebido em estabelecimentos comerciais ou em serviços públicos – como ônibus e metrôs por exemplo.

Em alguns países do norte da Europa ou em grandes cidades chinesas, quem não dispõe de um cartão de crédito ou débito ou de um celular habilitado a fazer pagamentos já vive, nos dias atuais, praticamente impedido de efetuar qualquer transação. Na Suécia, até agências bancárias deixaram de trabalhar com numerário.

Em um futuro não muito distante, pode ser assim em todo o planeta, inclusive no Brasil, onde tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que propõe a extinção das cédulas e das moedas em um prazo de cinco anos. A tecnologia do dinheiro vivo, acreditam economistas e empresas do setor financeiro, pode estar em vias de desaparecimento, condenada, depois de valiosos serviços prestados, à mesma obsolescência que outros frutos do engenho humano, como o ábaco ou o fax.

Pensando bem, não é uma realidade tão distante, pelo menos para parcela expressiva da população brasileira. Um cidadão médio faz inúmeros pagamentos ao longo do dia e – se examinar com cuidado – pode ser que em momento algum tenha colocado a mão em moeda sonante. Para se deslocar, pode ter usado o Tri no ônibus ou o pagamento automático no carro de aplicativo. Os boletos provavelmente foram liquidados em um caixa eletrônico ou via débito em conta. O almoço, com um cartão refeição ou no cartão de débito. Uma encomenda na internet, via cartão de crédito. O pagamento do encanador que desentupiu uma pia, por transferência digital feita em um minuto pelo celular. Será que, na prática, já não paramos de usar o dinheiro, na acepção física e palpável do termo?

Para o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), fazê-lo só traria vantagens. Ele é o autor do projeto de lei 48/2015, segundo o qual “fica extinto o dinheiro em espécie e proibida sua produção, circulação e seu uso em transações financeiras”. Um dos artigos do projeto estabelece, também, que seria proibido cobrar qualquer percentual do usuário nas transações de débito.

Lopes enxerga o fim do dinheiro em espécie como antídoto contra alguns dos mais complicados problemas brasileiros: a alta carga tributária, a sonegação de impostos, a precariedade das contas públicas, a corrupção, o tráfico de drogas e uma série de crimes.

— Quando apresentei o projeto, em 2015, o Brasil estava discutindo ajuste fiscal. Continua discutindo até hoje. O grande dilema do país é como tributar as economias subterrâneas, as economias informais. Temos R$ 1,5 trilhão de economia subterrânea. Com uma carga tributária de 35%, estamos falando de mais de R$ 500 bilhões de sonegação fiscal. Como é que resolve isso? Acabando com o papel-moeda. Hoje o cara guarda o dinheiro no colchão. Se não existir dinheiro, não tem como guardar. Ele vai ter de usar o sistema de movimentação financeira, o que dá transparência às transações. Você resolve todo o problema. Você arrecada de quem hoje sonega e, graças a isso, pode diminuir a carga tributária — defende o deputado.

Lopes afirma que a corrupção sempre envolve, em algum momento, o uso de dinheiro vivo. O mesmo acontece com o tráfico. Se forem possíveis apenas movimentações digitais – devidamente rastreáveis –, transações nebulosas seriam dificultadas, no entendimento dele. Outros crimes comuns, como sequestros-relâmpago, saidinhas de banco e explosões de caixa eletrônico ficariam inviabilizadas.

— Sem dinheiro, não tem nada disso — afirma Lopes.

Fazendo eco ao deputado, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) coloca a dificuldade de monitorar o dinheiro em espécie como um dos maiores desafios para a prevenção da lavagem de dinheiro e para o combate a atividades criminosas. “Nas transações realizadas dentro do sistema financeiro, há controles por parte dos bancos e das autoridades que são continuamente aperfeiçoados; fora dele, é praticamente impossível rastrear a destinação do dinheiro, o que abre espaço para que ele seja usado para atividades ilícitas, como pagamento de propina e financiamento do crime organizado”, afirmou a entidade, em nota.

Reginaldo Lopes ressalta que a proposta dele não é acabar com o dinheiro – é só acabar com o dinheiro de papel ou na forma de moedas metálicas. Banco Central e política monetária continuariam a existir, mas os reais seriam digitais, enquanto a Casa da Moeda poderia virar uma operadora de cartões.

O deputado rechaça objeções como a de que haveria dificuldades em zonas remotas (as transações podem se dar por satélite, diz) ou que pessoas pobres, idosas ou excluídas do sistema bancário seriam prejudicadas (ele cita que há 50 milhões de pessoas no cadastro nacional para programas sociais recebendo recursos via cartão magnético).

— Os mais pobres recebem dinheiro em cartão desde 2003. Sabe como é que eles são roubados? É na saidinha de banco. Se o cartão do Bolsa Família ou o cartão do INSS fossem de débito, se desse para usar na mercearia, eles não seriam roubados. Eu proponho tudo eletrônico. Não precisa nem de cartão. Pode ser por celular ou biométrico, com leitura da íris. Temos de pensar com cabeça do século 21. Quem não quer isso é quem sonega, quem faz corrupção – defende Lopes.

Professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Rodrigo De Losso está convencido de que a substituição do papel-moeda por meios digitais de pagamento é uma tendência irreversível. A engrenagem em movimento é a mesma que, no passado, levou à invenção do dinheiro: a praticidade e a facilidade. Nos primórdios, o que existia era a troca de bens – o chamado escambo –, que colocava obstáculos óbvios: nem sempre quem tinha uma ovelha para trocar por um cântaro de vinho encontraria alguém com um cântaro de vinho que estivesse interessado em uma ovelha.

Quanto custa fazer dinheiro?

Nos últimos três anos, o Banco Central do Brasil gastou R$ 1,96 bilhão fabricando notas na Casa da Moeda.

Só em 2019, foram impressas 1.764.480.000 cédulas, que custaram R$ 485.958.327,60.

O total de moedas produzidas neste ano é de 1.025.268.000 unidades, ao custo de R$ 220.253.144,09.

Além dos valores para aquisição de numerário, os encargos do Banco Central com a administração do meio circulante incluem outros gastos (em especial processamento, segurança e transporte) conforme estes totais: R$ 169.997.796,78 em 2017; R$ 154.595.525,40 em 2018; R$ 122.692.375,02 em 2019 (previsão).

Os hábitos de consumo do brasileiro

As compras com cartões no terceiro trimestre de 2019, no Brasil, somaram R$ 461 bilhões (aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2018).

Até o fim de setembro, o acumulado do ano era de R$ 1,31 trilhão. A previsão para o ano é que o total seja de aproximadamente R$ 1,84 trilhão.

Em relação a 2018, a perspectiva é de um aumento de 17,5% a 19,5%.

Em quantidade de transações, todas as modalidades de cartão, juntas, registraram 15,9 bilhões entre janeiro e setembro, o que dá 76 transações por pessoa no país.

Fonte: Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs)

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