Foto: STF/Divulgação
Jair Bolsonaro (PL) é o primeiro ex-presidente brasileiro a virar réu sob a acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu aceitar a denúncia contra ele e outros sete ex-integrantes do seu governo, sendo três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).
Eles fariam parte do que a Procuradoria-Geral da República (PGR) chamou de “núcleo crucial” de uma trama golpista contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Todos negam as acusações.
Os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia e o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, votaram pela aceitação da denúncia nesta terça-feira (25/03).
Em seu voto, Moraes defendeu que a “peça acusatória da PGR apresentou em relação aos oito denunciados os indícios que possibilitam a instalação da ação penal”.
Moraes apresentou um vídeo com imagens dos atos golpistas de 8 de janeiro, acrescentando um tom emocional para o julgamento.
A gravação tinha também imagens anteriores aos atos, dos acampamentos no Quartel General do Exército e a ameaça de bomba no aeroporto de Brasília no final de 2022.
Segundo o ministro, as imagens demonstram que a invasão das sedes dos Três Poderes não foi uma manifestação pacífica, como alguns argumentam.
“Temos a tendência infelizmente de ir esquecendo. E as pessoas de boa-fé que têm esse viés de positividade acabam sendo enganadas pelas pessoas de má-fé que, com notícias fraudulentas e com milícias digitais, passam a querer uma própria narrativa de velhinhas com a Bíblia na mão, de pessoas que estavam passeando, de pessoas que estavam passeando e estavam com batom e foram só passar um batonzinho na estátua”, disse o ministro.
O vídeo trouxe ainda o depoimento de uma policial de que foi jogada no chão no dia 8 de janeiro e ferida com uma barra na cabeça, além de imagens de depredação dos prédios públicos e faixas pedindo um golpe militar.
“É bom lembrarmos que tivemos tentativa de golpe de Estado violentíssimo. Fogo destruição ao patrimônio público”, reforçou Moraes, que classificou o 8 de janeiro como “uma verdadeira guerra campal”.
O ministro Flávio Dino também defendeu que a denúncia fosse aceita pela Primeira Turma do STF. Segundo ele, a denúncia da PGR apresentou elementos que comprovariam a ocorrência de uma tentativa de golpe, inclusive, com o uso da força.
“Quanto à materialidade (ocorrência), não há dúvida quanto à sua viabilidade [da denúncia]. Exatamente porque houve o ataque ao Supremo, ao Congresso e ao Palácio do Planalto”, disse.
Dino também rebateu a alegação de que a suposta tentativa de golpe não teria gerado nenhuma morte.
“Se diz também: ‘Ah…mas não morreu ninguém’. No dia 1º de abril de 1964 também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”, disse o ministro.
Terceiro a votar, Fux começou lembrando a importância da democracia brasileira após o período de ditadura militar (1964-1985).
“Nós conquistamos a democracia entre lutas e barricadas”, lembrou o ministro.
“Tudo que se volta contra ele [o Estado Democrático de Direiro] é repugnante e absolutamente inaceitável.”
Fux fez críticas às penas aplicadas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 e defendeu que elas devem ser revistas, mas afirmou que, do ponto de vista técnico, a denúncia merece ser recebida.
“Estamos numa fase para verificação de indícios de autoria. É fase ainda indicial. [Sobre] todas essas digressões [às quais se referiu], vou me reservar para analisar no curso da instrução [do processo]”, disse o magistrado.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia disse que não haveria dúvidas de que os atos de 8 de janeiro representaram uma tentativa de golpe de Estado e que seria necessário apurar as responsabilidades pelos atos que antecederam esse episódio.
“É preciso é desenrolar [os fatos] do dia 8 pra trás pra a gente chegar a esta máquina que tentou desmontar a democracia, o que é um fato. Isso não é negado por ninguém em sã consciência. Todo mundo assistiu pelas televisões, pelas redes sociais, de toda forma, o quebra-quebra, e a tentativa de matar o Supremo”, disse a ministra.
Último a votar, Zanin afirmou que a denúncia está longe de ser amparada exclusivamente numa delação premiada.
“O que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, dispositivos, diversos materiais que dão amparo aquilo que foi apresentado pela acusação”,
“Neste momento também considero que há materialidade, indício de autoria, a ensejar o recebimento integral da denúncia como exposto pelo eminente relator”, disse Cristiano Zanin.
Bolsonaro acompanhou o segundo dia de julgamento no gabinete de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
No primeiro dia, compareceu ao STF para acompanhar pessoalmente ao lado de seu advogado Celso Vilard, que criticou a falta de acesso da defesa a todo o conteúdo da investigação da Polícia Federal (PF) e questionou a legalidade da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Bolsonaro.
Ele contestou a versão da PGR de que seu cliente teria liderado uma tentativa de golpe de Estado que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes.
Um dos argumentos do advogado é que o ex-presidente autorizou que o comando do Exército fosse passado a um general indicado por Lula antes mesmo da posse do petista, no final de dezembro de 2022.
“Entendo a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro, mas não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao Presidente da República [Bolsonaro] o colocando como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro. Pelo contrário, ela a repudiou”, afirmou Vilard.
Com a abertura do processo, Bolsonaro e os outros sete réus responderão a acusações por cinco crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Caso Bolsonaro seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa. No Brasil, penas acima de 8 anos começam a ser cumpridas em regime fechado.
Além dos ex-presidente e três generais, vão responder ao processo Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fechou um acordo de delação premiada).
Segundo PGR, eles formavam o núcleo de onde teriam partido as principais decisões e ações — o STF ainda vai avaliar a abertura de processos contra outros três núcleos, com mais 26 denunciados.
Para a acusação, o plano para manter Bolsonaro no poder teria começado com ataques infundados à segurança das urnas eletrônicas em 2021 e evoluído para minutas que abririam caminho para o golpe de Estado, um plano para matar Lula e pressões sobre as Forças Armadas para executar o golpe, culminando no 8 de janeiro de 2023.
A defesa do ex-presidente, ao negar os crimes, ressaltou que Bolsonaro estava fora do país, morando nos Estados Unidos, quando apoiadores radicais vandalizaram os principais edifícios da República.
É justamente no processo criminal que as duas partes tentarão convencer o STF sobre suas versões.
Ao longo dos próximos meses, o processo vai mobilizar militares de alta patente e autoridades, convocados como testemunha.
A PGR já apontou na denúncia que deseja ouvir, por exemplo, o general Marco Antonio Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que eram, respectivamente, os comandantes do Exército e da Aeronáutica no governo Bolsonaro e teriam recusado a proposta de um golpe.
Os dois também já foram apontados como testemunha de defesa pelo ex-presidente, além do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi seu ministro da Infraestrutura, e outros ex-integrantes do governo.
Nos bastidores de Brasília, a expectativa é que o processo seja concluído ainda neste ano, o que gera controvérsia entre juristas. Bolsonaro, por sua vez, tem se queixado da celeridade do andamento do caso.
Para o professor de Direito Processual Penal da USP Gustavo Badaró, os prognósticos do ex-presidente no STF não são bons, considerando as centenas de condenações já proferidas pela Corte por tentativa de golpe de Estado e outros crimes nos processos do 8 de janeiro, com penas que chegam a 17 anos de prisão.
Por outro lado, ele considera que o vínculo de Bolsonaro com os ataques às sedes dos Três Poderes é o ponto mais sensível da denúncia, já que o ex-presidente estava fora do país.
“Acho que esse vai ser o grande ponto de questionamento da defesa do Bolsonaro. Já a acusação vai tentar mostrar que, apesar de Bolsonaro não ter participado do 8 de janeiro, indiretamente todos os atos dele acabaram induzindo e levando a esse resultado final”, analisa.
O próprio ex-presidente tem se mostrado pessimista com seu futuro no STF. Ele articula no Congresso a aprovação de uma lei de anistia que perdoaria todos os condenados por atos relacionados ao 8 de janeiro de 2023, mas não há ainda confirmação de votação da proposta.
Em ato pela anistia realizado em 16 de março, no Rio de Janeiro, Bolsonaro reconheceu o risco de receber uma pena elevada.
“O que eles querem? É uma condenação. Se é 17 anos de prisão para as pessoas humildes, é para justificar 28 anos para mim”, disse sobre um caminhão de som, na orla de Copacabana.
Entenda a seguir o que acontece agora no processo contra Bolsonaro.
O processo criminal terá três fases, explicou à reportagem a criminalista Marina Coelho Araújo, professora do Insper e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.
A primeira é a instrução criminal, em que serão produzidas as provas do processo — que poderão confirmar a acusação ou comprovar a inocência dos réus.
Nessa fase, exemplifica, podem ser realizadas perícias, quebras de sigilo, inclusão de documentos, assim como o depoimento das testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa.
Depois da instrução criminal, na segunda fase, será realizado o interrogatório dos réus. Esse é o momento de defesa pessoal dos acusados, ressalta a professora, em que eles têm direito a permanecerem calados, se preferirem.
“Depois que as provas foram produzidas, o réu vai dizer qual é a versão dele para tudo isso”, resume.
E a terceira fase é a das alegações finais, em que a PGR e os advogados dos réus apresentam seus memoriais fundamentando seus pedidos por condenação ou absolvição.
A acusação se manifesta primeiro e, em seguida, a defesa tem a palavra final.
Concluídas as três fases, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, vai produzir seu voto e liberar o caso para que seja marcado o julgamento na Primeira Turma.
Como o caso já tramita na mais alta instância do Judiciário, há poucas possibilidades de recursos dentro do próprio STF.
Após eventuais recursos, caso Bolsonaro seja condenado e receba uma pena superior a 8 anos de prisão, ele será preso em regime fechado.
A PGR já apontou, no momento da denúncia, seis testemunhas de acusação, incluindo o general Marco Antonio Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que eram, respectivamente, os comandantes do Exército e da Aeronáutica no governo Bolsonaro.
Em depoimento à Polícia Federal, durante as investigações, eles disseram que Bolsonaro lhes apresentou minutas golpistas, mas que eles se recusaram a participar do plano.
Além disso, a PGR indicou o governador do Distrito Federal, Ibanês Rocha, que poderá falar sobre o esquema de segurança do 8 de janeiro, e dois servidores que serão ouvidos sobre o suposto uso da Polícia Rodoviária Federal para dificultar a circulação de ônibus no segundo turno da eleição em redutos eleitorais de Lula.
A sexta testemunha é Éder Balbino, que teria sido contratado pelo Instituto Voto Legal para ajudar na formulação de um relatório questionando a integridade das urnas, encomendado pelo PL, partido de Bolsonaro. Balbino, porém, não teria, ao final, apoiado as conclusões do documento.
Bolsonaro, por sua vez, já apontou 13 testemunhas, quando apresentou sua defesa, incluindo também Freire Gomes e Baptista Junior.
A lista tem ainda o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi seu ministro da Infraestrutura, além de outros ex-integrantes do governo, como o ex-vice-presidente e hoje senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), além dos ex-ministros e hoje senadores Rogério Marinho (PL-RN) e Ciro Nogueira (PP-PI).
Outro militar na lista é o coronel Wagner Oliveira da Silva, que representava a Aeronáutica na comissão do Ministério da Defesa que acompanhou a apuração dos votos das eleições de 2022 no TSE.
Cada réu pode indicar até oito testemunhas para cada um dos cinco crimes dos quais são acusados, somando 40 pessoas, mas é incomum que sejam arrolados tantos depoentes assim.
Não há um prazo certo para a duração de um processo e juristas ouvidos pela reportagem divergem sobre quanto tempo pode levar até o julgamento do ex-presidente.
Bolsonaro, por sua vez, reclama que o STF estaria julgando o seu caso com pressa.
Após o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, marcar o julgamento da denúncia para 25 e 26 de março, o ex-presidente fez um post na rede social X.
“Um inquérito repleto de problemas e irregularidades contra mim e outras 33 pessoas está indo a julgamento em apenas 1 ano e 1 mês (de 8 de fevereiro de 2024 a 25 de março de 2025). É impressionante!”, reclamou, no post.
“Parece que o devido processo legal, por aqui, funciona na velocidade da luz”, ironizou ainda, após citar estatísticas sobre a lentidão do Judiciário brasileiro.
Nos bastidores de Brasília, há uma expectativa de que o STF encerre o julgamento ainda em 2025, para evitar que o desfecho do processo ocorra próximo à eleição presidencial de outubro de 2026.
Independentemente do resultado, Bolsonaro já está impedido de disputar o pleito por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Uma delas devido ao uso da Palácio da Alvorada para convocar diplomatas estrangeiros e atacar o sistema de votação eletrônico. E outra por uso político das comemorações da Independência, no feriado de 7 de setembro de 2022, em plena campanha eleitoral.
Para o doutor em Direito Processual Penal e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Aury Lopes, o processo contra Bolsonaro tem complexidade para se estender para 2026.
Ele ressalta que a PGR fatiou o caso em cinco denúncias com quatro núcleos, e que esses julgamentos também vão consumir tempo da Corte.
Além do núcleo 1, de Bolsonaro, o STF já marcou também a análise das denúncias contra o núcleo 2 (29 e 30 de abril) e núcleo 3 (em 8 e 9 de abril).
“Numa situação normal de temperatura e pressão, eu te diria que [o julgamento do núcleo de Bolsonaro] é um processo para demorar dois anos até uma sentença”, disse em entrevista à BBC News Brasil em fevereiro, quando a denúncia foi apresentada.
Já a professora do Insper Mariana Coelho Araújo considera razoável que o caso seja julgado ainda em 2025. Ela nota que o andamento dos processos criminais tem se tornado mais célere no Brasil por dois fatores: amadurecimento de mudanças no rito processual que ocorreram em 2008 e os efeitos da pandemia da covid-19, com procedimentos virtuais mais ágeis.
“Hoje, os processos penais tendem a durar muito menos do que duravam cinco anos atrás. É uma realidade”, afirma.
Para o professor de Direito Processual Penal da USP Gustavo Badaró, o processo pode ser concluído este ano, a depender do número de testemunhas a serem ouvidas.
Ele ressalta que o STF conta com juízes de instrução para auxiliar os ministros na condução dos processos. Além disso, o relator do caso, Alexandre de Moraes, pode também solicitar que juízes espalhados pelo Brasil ouçam testemunhas que não moram em Brasília.
“É claro que essa busca por uma maior celeridade não pode suprimir garantias [dos réus]. A Constituição diz que o processo tem que terminar num prazo razoável. Não estabelece um prazo fixo. Um ano, se forem respeitadas as garantias, é um bom prazo”, afirmou Badaró.
O professor a USP, porém, considera negativo que a celeridade seja motivada por razões políticas e aponta o risco de isso afetar a credibilidade do Supremo.
Ele nota que a Corte já sofre questionamentos por outros pontos controversos dos processos relacionados ao 8 de janeiro, como a decisão de julgar pessoas sem foro privilegiado no STF.
A Corte, porém, recusou pedidos da defesa de Bolsonaro e dos demais acusados para mudar a instância de julgamento.
“Há um ditado da Justiça inglesa, e que a Corte Europeia de Direitos Humanos reproduz muito quando ela trata da imparcialidade judicial, que diz: ‘Não basta ser imparcial, você também tem que parecer imparcial para que a sociedade acredite que a Justiça está sendo feita'”, destaca.
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