O Ministério Público do Rio Grande do Sul aceitou, na segunda-feira (12), o pedido da Polícia Civil para que seja prorrogada, por mais 180 dias, a suspensão da licença do médico João Batista do Couto Neto, de 47 anos, de Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre. O pedido foi encaminhado ao Tribunal de Justiça do RS (TJRS), que deve aceitá-lo ou não. O TJRS disse que o pedido está em análise.
A suspensão da licença era parcial e impedia, desde 12 de dezembro de 2022, que o médico realizasse cirurgias. O prazo terminou no sábado (10) e ele pode voltar a fazer os procedimentos cirúrgicos.
Couto é suspeito de ter causado a morte de 38 pacientes devido a procedimentos cirúrgicos e causado lesões em outros 120. Pacientes e pessoas que trabalharam com ele relataram excesso de cirurgias por dia, procedimentos desnecessários e até diagnóstico de câncer raro falso. Leia, abaixo, as histórias de pacientes que se dizem vítimas do cirurgião.
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) confirmou que a suspensão judicial terminou e ele está com o seu registro profissional em situação regular. Paralelamente, há processos investigativos em andamento que apuram a conduta do médico – no entanto, detalhes não foram divulgados, pois são procedimentos sigilosos.
A reportagem entrou em contato com o advogado que defende João Couto, Brunno Pires, que disse que “embora não seja intenção do médico investigado realizar cirurgias enquanto perdurem as investigações, a defesa não concorda com a prorrogação da medida” (leia a nota, na íntegra, abaixo).
Investigação policial
De acordo com o delegado Tarcísio Lobato Kaltbach, responsável pela investigação, Couto foi alvo de uma operação policial em dezembro do ano passado, ocasião em que foram cumpridos mandados de busca e apreensão no hospital em que atuava, localizado em Novo Hamburgo, bem como no apartamento em que vivia na cidade. Na época, havia suspeita de envolvimento dele na morte de cinco pacientes e por ter causado sequelas em outros nove. Documentos, celulares e equipamentos de informática foram apreendidos.
“A Polícia Civil aguarda a remessa dos laudos do IML/IGP (Instituto Médico Legal/Instituto-Geral de Perícias) para que possamos anexar ao inquérito e fechar alguns procedimentos. Ele é suspeito de ter causado uma série de danos à saúde de pacientes e de várias mortes em seus procedimentos cirúrgico e cirurgias”, explica o delegado Tarcísio.
Um prazo para o resultado das perícias não foi divulgado. São esses laudos que vão permitir a conclusão do inquérito policial – indiciando João Couto ou não pelos crimes que é investigado.
Ida para São Paulo
Em fevereiro deste ano, João Couto se registrou no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). O Cremesp confirmou estar ciente de que o médico enfrentava uma suspensão em sua licença, mas que “é obrigado a efetuar o registro do médico” por se tratar de uma restrição parcial, disse em nota (confira a íntegra abaixo). Disse, ainda, não ser possível dizer se e onde ele está trabalhando.
Relatos de ex-pacientes
“Engoliu palito de dente”
Um paciente de 52 anos, que prefere não ser identificado, afirma que um pequeno desconforto no umbigo o levou ao consultório de João Couto Neto no Hospital Regina, em Novo Hamburgo. O tratamento de hérnia umbilical teve o acréscimo de uma retirada de pedra na vesícula. O homem foi liberado no mesmo dia. No entanto, em casa, ele disse que a recuperação foi um dos piores momentos da sua vida.
“Eu passei muito mal, uns dois dias, muito mal. Era vômito, vômito. Dor, muita dor. Dor que eu não desejo pra ninguém”, afirma.
Ele voltou ao Hospital Regina e foi submetido a uma nova cirurgia pelo médico. A companheira do paciente desconfiou da justificativa dada por Couto. O cirurgião teria sugerido que um palito de dente engolido poderia ter causado a lesão.
“Me perguntou se ele tinha o hábito de mastigar palito de dente, que ele poderia ter engolido um palito e ter furado. Eu disse que ele não tinha esse hábito”, conta.
Foi então que eles decidiram mudar de médico e de hospital. “Eu me desesperei, perdi a total confiança, até porque eu já ouvia de funcionários lá dentro me incentivando a trocar, porque a fama dele dentro do hospital não era boa”, diz a companheira do paciente.
“Tinha um câncer muito raro”
A motorista Simone Ferreira Campos afirma que foi operada há 11 anos pelo médico para retirar um nódulo no intestino.
“Retirou do meu intestino, segundo ele me falou quando eu voltei da anestesia, 10 centímetros para cima do nódulo e 10 centímetros para baixo do nódulo do meu intestino, pois eu teria um câncer muito raro que ele não saberia como tratar”, conta.
No entanto, após uma biópsia, foi comprovado que a paciente não tinha câncer.
“Veio como endometriose. Então, não tinha nenhum tipo de câncer, nenhum problema do meu intestino”, diz.
Fazia quase 30 cirurgias por manhã
Uma técnica de enfermagem que trabalhou no Hospital Regina diz que o número de cirurgias diárias que o médico fazia chamava a atenção da equipe.
“Ele fez em uma manhã, no Hospital Regina, 27 cirurgias, uma manhã só. Não é possível, porque teria que ficar parado esperando um paciente atrás do outro na mesma mesa. Não tem como, até porque a aparelhagem não é suficiente para isso, a instrumentação não é suficiente para isso”, afirma a profissional, que prefere não ser identificada.
A técnica fala que, em razão do grande número de reclamações, não tinha como a direção do hospital não ter conhecimento.
“Quando investigavam depois, por outros tipos de exame, era perfuração de intestino, perfuração de útero, perfuração de baço”, relata.
Nota do advogado do médico
“Embora não seja intenção do médico investigado realizar cirurgias enquanto perdurem as investigações, a Defesa não concorda com a prorrogação da medida. Isso porque impõe severo ônus ao profissional, sem qualquer justificativa legal, uma vez que os fatos objeto de apuração são em tese culposos, não obstante a forçada tentativa de enquadramento como dolosos. Ademais, não estando presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva (art. 312, CPP), também não estão os das medidas cautelares diversas (art. 319, CPP).
Brunno de Lia Pires”
Nota do Cremesp
“O Cremesp informa que o referido médico não possui denúncias protocoladas neste Conselho. Cabe ressaltar que, ainda que haja sindicâncias e/ou processos tramitando em outro Estado, cabe ao CRM do local em questão investigar, uma vez que o Cremesp só atua no Estado de São Paulo, onde o médico possui inscrição secundária, desde fevereiro de 2023.
O Conselho esclarece, ainda, que o registro do médico está parcialmente suspenso por ordem judicial, de modo que o mesmo não pode realizar cirurgias, mas pode continuar clinicando. Vale salientar, também, que por se tratar de interdição parcial, o Cremesp é obrigado a efetuar o registro do médico.
Caso o Cremesp receba uma denúncia, que pode ser feita pessoalmente na sede ou nas regionais, ou ainda por correio, o Conselho iniciará a investigação”.
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