Justiça
Andressa foi acusado de ter escrito “carta-suícida”. Foto: Facebook/Reprodução

Andressa Wagner conviveu durante meses com o estigma de ser suspeita de um crime. Ex-secretária do médico Leandro Boldrini, pai do menino Bernardo, morto em 4 de abril de 2014, ela teve o nome relacionado à morte de Odilaine Uglione, mãe do garoto, que se suicidou no consultório do marido em fevereiro de 2010.

Uma perícia particular, contratada pela família de Odilaine, levantou, em 2015, a hipótese de Andressa ter escrito a carta de despedida da mãe de Bernardo. Essa possibilidade, porém, foi rechaçada em março de 2016, após nova investigação confirmar as conclusões da primeira, arquivada ainda em 2010.

Mas até o Instituto-Geral de Perícias (IGP) confirmar que a letra do bilhete era mesmo de Odilaine, o caso já tinha transformado a vida de Andressa. Com o nome envolvido na trama após a reabertura da investigação, ela teve de se mudar de Três Passos e passou a residir com a família em Dois Irmãos, no Vale do Sinos, onde ingressou na Justiça.

Conforme o advogado de Andressa, Charles Tizato, no processo de dano moral ajuizado pela ex-secretária que, segundo ele, foi acusada pela Rede Record de Televisão e pelo perito grafocopista Marco Baptista de ser a autora da “carta de suicídio” deixada pela mãe do menino Bernardo quando de seu suicídio, teve julgamento de procedência, cujos requeridos foram condenados ao pagamento de dano moral na quantia de R$ 30.000,00. O processo tramita na Comarca de Dois Irmãos.

Alegação de Andressa

“ANDRESSA WAGNER ajuizou ação de indenização por danos morais em face de RADIO E TELEVISÃO RECORD S.A e MARCO ANTÔNIO BAPTISTA DA SILVA, ambos qualificados. Disse que trabalhou por muitos anos como auxiliar administrativa na clínica de propriedade do médico Leandro Boldrini, conhecido réu no “caso Bernardo” e que, nessa condição, em 10/02/2010, durante seu horário de trabalho, ocorreu o suicídio da ex-esposa do médico proprietário da clínica, sendo aberto Inquérito Policial n° 00192/2010. Discorreu que, após quatro anos, ocorreu o episódio da morte do menino Bernardo Uglioni Boldrini, que gerou enorme repercussão. Ligado a esse fato, referiu que a demandada Rede Record contratou o grafocopista Marco Baptista, segundo demandado, para análise de uma carta deixada pela primeira esposa de Leandro Boldrini antes do seu suicídio. Alegou que a conclusão do laudo imputou à autora a autoria da carta deixada pela falecida e que tal informação foi repassada ao público por meio da primeira demandada como sendo verídica. Sustentou que, após o ocorrido, dirigiu-se à Delegacia de Polícia de Três Passos, onde foi aberto Inquérito Policial para investigar o fato e que o mesmo trouxe inúmeros prejuízos à imagem da autora, diante dos inúmeros ataques e ofensas recebidos e que mudou-se da cidade de Três Passos, fixando residência nesta Comarca. Discorreu sobre o dano moral sofrido. Requereu a procedência da demanda com a condenação dos demandados a indenização pelos danos morais em valor a ser determinado por este juízo.”

Alegação da Record

 “Citada (fl. 63), a demandada RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S.A apresentou contestação, oportunidade em que asseverou que a matéria jornalística em discussão apenas desejou aclarar o ocorrido e informar a população acerca dos fatos. Referiu que em momento algum a matéria fez qualquer imputação de crime à pessoa da autora e que inúmeras vezes buscou contato telefônico com a autora a fim de buscar esclarecimentos, no entanto, a mesma se negou a apresentar sua versão dos fatos. Afirmou que não foi a matéria vinculada a causadora de todos os transtornos pelos quais a autora passou e que, diante da inexistência de culpa ou dolo não há falar em dever de indenizar. Discorreu sobre o exercício regular da liberdade de imprensa e da ausência de reparação por dano moral. Requereu a improcedência dos pedidos.”

Alegação do perito

 “Citado, o demandado MARCO ANTÔNIO BAPTISTA DA SILVA contestou o feito. Afirmou que nunca intitulou-se perito do Tribunal de Justiça e que, a partir dos documentos que integram o processo eletrônico n° 03771551-69.2014.8.21.7000, consistente na carta atribuída a Odilaine Ugliane, realizou perícia e entregou laudo à solicitante, no caso a primeira demandada. Referiu que não atribuiu crime algum à autora e que o trabalho realizado foi elaborado a partir do seu conhecimento técnico. Discorreu sobre a inexistência dos supostos danos morais. Requereu a improcedência dos pedidos.”

Sentença

“Muito embora seja imprescindível a existência de uma imprensa livre e independente, não se pode admitir abusos e distorções que firam os direitos da personalidade. Assim como a Constituição Federal proíbe qualquer embaraço à plena liberdade de informação jornalística, ressalva, igualmente a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à reparação pelo dano material ou moral, decorrente da sua violação.

No que se refere ao segundo demandado, tratando-se de profissional requisitado a pedido da rede Record, não há como afastar a sua responsabilidade pelo dano causado.

Nesse sentido, tendo em vista a produção de laudo do Instituto Geral de perícias do Estado – IGP/RS (fl. 473/556v), que afastou a participação da autora na elaboração da carta de suicídio de Olilaine Uglione (fl. 500), ou seja, afastou a conclusão do laudo do segundo demandado, inafastável sua responsabilidade pelas conclusões e divulgação de perícia contratada pela Rede Record. Atenta-se que o perito, no exercício das suas funções profissionais, sempre deverá zelar pela ética profissional no exercício da perícia, sob pena de ser responsabilizado, inclusive pelo respectivo Conselho Profissional.

Diante desse contexto, o dano à imagem da requerente, que teve seu nome divulgado em programa de grande circulação, e, após, reproduzido na imprensa de todo o país, se torna daquele res in ipsa que independe de prova, pois natural decorrência de agir culposo dos réus, pois decorrem da força dos próprios fatos e sua natural repercussão na esfera da pessoa lesada, restando configurada circunstância suficiente para gerar o dever de indenizar. Ademais, é evidente o abalo suportado pela parte autora.

Fica caracterizado, portanto, em aplicação ao art. 187 do Código Civil, ato ilícito por parte dos demandados, restando configurado seu dever de indenizar. O nexo causal e o prejuízo em decorrência do agir das demandadas são evidentes, pois a conduta causou afronta direta aos direitos da personalidade da autora.”

Recurso

 Os réus ainda podem recorrer da sentença.