A decisão que determinou a prisão preventiva por homicídio dos três policiais militares investigados pela morte de Gabriel Marques Cavalheiro, de 18 anos, detalha o que teria ocorrido com o jovem antes dele desaparecer, na madrugada de 13 de agosto, em São Gabriel. Testemunhas relatam que ele recebeu um tapa tão forte que o derrubou. Que caído, levou ao menos três golpes de cassetete na cabeça. Quando foi levantado pelos PMs, parecia “moribundo e desacordado, com o corpo rígido”. Foi colocado no porta-malas algemado. Quando a abordagem começou, Gabriel, segundo os relatos, explicou aos policiais: “Eu não sou daqui. Estou perdido da casa do tio”.
Ele foi levado do local da abordagem, algemado na viatura. Uma semana depois, o corpo do jovem foi encontrado em um açude na localidade de Lava Pé, distante dois quilômetros de onde foi pego pelos policiais. Os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso estão presos desde a sexta-feira (19), por determinação da Justiça Militar, por irregularidades na condução da ocorrência. A preventiva decretada nessa terça-feira (23) pela juíza Juliana Neves Capiotti, da Vara Criminal de São Gabriel, no entanto, trata de elementos que indicam a ocorrência de um crime doloso contra a vida.
“No caso em tela, entendo que o decreto da prisão cautelar se trata de medida imperativa. Isso porque, conforme já mencionado e amplamente divulgado nas mídias sociais, o delito que é imputado aos investigados reveste-se de gravidade, uma vez que se trata de delito cometido com violência e motivo desproporcionado, culminando com a morte da vítima Gabriel”, diz trecho da decisão judicial.
A prisão por homicídio duplamente qualificado foi decretada a pedido da Polícia Civil. A investigação é conduzida pelo delegado José Soares Bastos, de São Gabriel. Os depoimentos que embasam o pedido foram dados por pessoas ouvidas na delegacia. Ao detalhar as cenas que viram, as testemunhas reconheceram, por meio de fotos, os PMs em cada ação.
Um dos relatos descreve: “Reconheceu na foto Raul Veras Pedroso como o policial que deu o tapa em Gabriel e o algemou. O mesmo que deu tapa e algemou, ou seja, Raul Veras Pedroso, também agrediu Gabriel com cassetete umas três vezes na cabeça, e afirmou ‘tu usou uma verdinha’. Que a agressão foi tão forte que Gabriel caiu. Que depois das agressões, Gabriel ficou caído, quieto, por cerca de uns dois minutos, imóvel, possivelmente desmaiado”.
Quanto à sequência da ação, a testemunha reforça que Gabriel parecia estar sem consciência depois das agressões: “Quando Gabriel foi conduzido até a viatura, estava com o corpo ‘duro’, sendo controlado pelos policiais, em pé, acredita que Gabriel poderia estar desmaiado, pois não se opunha e nem falava nada. Quando chegaram na viatura, visualizou que os policiais tiveram dificuldade para colocar Gabriel na cela/porta malas, pois o corpo dele estava ‘duro’, rígido, ereto, então um policial sentou Gabriel na viatura, e os três policiais o empurraram para dentro, algemado, e fecharam a porta. O corpo de Gabriel estava estranho, muito rígido, enquanto era conduzido, acha que poderia estar desacordado”.
O teor de outro depoimento vai na mesma linha, também reconhecendo o PM Raul como o agressor: “O policial que fez a abordagem questionava o indivíduo sobre o que ele queria ali (…) Ele respondeu: ‘eu não sou daqui. Estou perdido da casa do tio’ (…). O policial começou a falar grosseiramente com tal indivíduo dizendo: ‘Se tu não é daqui, não é da cidade, o que tu ta fazendo aqui?’. Assim que concluída a pergunta do policial o indivíduo abriu os dois braços e deu um passo em direção ao policial, tendo este deferido um tapa no indivíduo, o qual caiu estendido no chão, refere não ter noção do tempo que ele ficou caído, acha que por questão de segundos. Mexia os braços para se levantar. (…) Diante da resistência do indivíduo o policial desferiu pelos menos dois ou três golpes de cassetete”.
A decisão da magistrada também registra o trajeto feito pela viatura, a partir de dados do GPS, e o teor da ocorrência confeccionada pelos PMs: “Segundo boletim de ocorrência 4229/2022/983133, da Brigada Militar, o atendente Cleber Renato Ramos de Lima relatou que: ‘a guarnição abordou o sr Gabriel, que consultado estava sem novidades, sendo então orientado e liberado'”.
Ao decretar a prisão preventiva dos três policiais, a juíza destacou ainda a gravidade do fato:
“Também, preenchido o periculum libertatis, requisito que emerge, inicialmente, da gravidade concreta do delito. Veja-se, o delito em questão consiste, a priori, em crime de homicídio qualificado, no qual os investigados, após realizarem a abordagem colocaram a vítima na viatura e o deixaram em local desconhecido, uma vez que ficou desaparecido por vários dias, verificando-se, pelo modus empregado, possível ocultação de cadáver, restando clara a necessidade de segregação.”
GZH tenta contato com a defesa dos policiais. No início desta semana, antes ainda do decreto de prisão preventiva a partir do inquérito policial que investiga o caso como homicídio, as defesas se manifestaram alegando inocência dos PMs. A advogada Vânia Barreto, que defende os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima, negou que eles tenham agredido Gabriel e disse que eles o levaram para a localidade de Lava Pé a pedido dele, mas não o conduziram até o açude onde o corpo foi encontrado, uma semana depois. De acordo com Vânia, o jovem foi algemado porque estava alterado, aparentando estar sob efeito de álcool.
Os advogados Ivandro Bitencourt Feijó e Mauricio Adami Custódio, que defendem o segundo sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen, por meio de nota, também disseram que o cliente é inocente e manifestaram “indignação” com suposta “antecipação de culpa” do segundo sargento, que, segundo eles, “não ostenta qualquer comportamento à margem da ética-policial militar ao longo de toda sua carreira”.
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Gaúcha ZH