Polícia
Fraude passava por farmácias fantasmas. Foto: Reprodução/RBS TV

Golpistas usavam o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) de farmácias fantasmas, ou seja, que não existem, para se beneficiar de recursos do programa nacional Farmácia Popular. Cada documento custava cerca de R$ 100 mil, como apurou a reportagem.

A fraude fez com que R$ 362 milhões de vendas de medicamentos tenham sido contabilizadas sem comprovação das notas fiscais, contribuindo com um prejuízo bilionário dos cofres públicos. Entenda abaixo como funcionava o esquema.

Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) registrou, entre 2015 e 2020, um rombo de R$ 2,5 bilhões, valor que totaliza 17% do investimento total do programa, que disponibiliza medicamentos gratuitos ou com desconto.

Como funciona a fraude

Os golpistas compravam CNPJs de farmácias que não existem. Em alguns casos, o estabelecimento já havia fechado, mas permanecia ativo no sistema do governo federal. Os golpistas se utilizam de um comércio de cadastros, com valores que giram em torno de R$ 100 mil.

Usando esse documento, as farmácias tinham acesso aos recursos do programa e conseguiam receber até 100% do valor dos medicamentos.

Repórter: E esse valor aí, R$ 100 mil, é o preço final, ou dá para baixar?

Interlocutor: Ah, até dá para dar uma choradinha, né, cara. Como eu falei: eu estou bem por fora do mercado, mas acho que não vai fugir muito disso não, tá? Até ali, por uns R$ 95 (mil) dá para trocar uma ideia.

Repórter: E aí depois transfere para o meu nome?

Interlocutor: Transfere para o teu nome. Como eu falei, quando a gente tiver o negócio bem certinho, para não dar dor de cabeça para ambas as partes, não é?

Repórter: Eu acho que no Governo Federal também não vai ter problema, não é?

Interlocutor: Como eu falei, é uma prática comum. Isso é muito comum.

Moradores do Rio Grande do Sul teriam retirado medicamentos no Distrito Federal — Foto: Reprodução/RBS TV

Moradores do Rio Grande do Sul teriam retirado medicamentos no Distrito Federal — Foto: Reprodução/RBS TV

CPFs de moradores gaúchos movimentavam o esquema

No município de Planaltina, no Distrito Federal, um local que deveria ser um estabelecimento vinculado ao Farmácia Popular tinha como endereço uma loja de roupas. A reportagem teve acesso a um documento com mais de 500 moradores do Rio Grande do Sul que teriam recebido 1,3 mil remédios dessa farmácia ‘fantasma’. Os golpistas se apropriaram dos CPFs das pessoas – o que indica uma suposta compra de cadastros.

De acordo com o Ministério da Saúde, o estabelecimento fantasma embolsou R$ 1,3 milhão do programa entre junho de 2022 e outubro de 2023, sendo que a farmácia encerrou as atividades em 2021.

Segundo o secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia, Gustavo Pires, a empresa estava irregular. Ele observa que os sistemas do Ministério da Saúde deveriam ter detectado.

“Porém, o que há de falha talvez, e a gente está disposto a ajudar a resolver, é ter uma comunicação entre o sistema dos Conselhos com o sistema do Ministério da Saúde”, explica.

O Ministério da Saúde respondeu por e-mail que dialoga com o Conselho Federal de Farmácia na busca por aperfeiçoar os mecanismos de controles de fiscalização. Também reforça que o Sistema Único de Saúde (SUS) desenvolve uma ferramenta para aprimorar a relação entre as farmácias credenciadas e os pacientes, além de uma biometria para a validação da compra dos medicamentos.

Já no Tribunal de Contas da União, foram abertos 302 processos nos últimos cinco anos que condenaram farmácias a devolver R$ 107 milhões desviados. Minas Gerais tem a maioria, com 59 casos, seguida por Goiás, com 44, e Paraná, com 43.

O que é o programa Farmácia Popular

A iniciativa, criada pelo Governo Federal em 2004, tem como objetivo distribuir medicamentos utilizados na atenção primária à saúde, de acordo com o Ministério da Saúde. Atualmente, atende 22 milhões de pessoas com a distribuição gratuita ou desconto em remédios para o tratamento de 11 doenças, dentre as quais diabetes, asma e hipertensão.

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