Polícia
Força-tarefa atuou em propriedade rural de São Marcos. Fotos: MTE / Divulgação

Uma operação conduzida por auditores-fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 18 trabalhadores argentinos que estavam em supostas condições análogas à escravidão em São Marcos, na serra gaúcha. A força-tarefa, que contou com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foi realizada na noite da quarta-feira (31).

O local onde os safristas estavam alojados é uma propriedade rural no interior de São Marcos — o endereço não foi divulgado. A fiscalização diz ter flagrado os trabalhadores, incluindo um adolescente de 16 anos, em alojamentos em situação precária, superlotados, com camas insuficientes e colchões no chão. Uma das casas que serviam como alojamento não teria fornecimento de água encanada para banho e necessidades básicas. Os resgatados estavam na propriedade há cerca de uma semana.  

De acordo com o MPT, os homens trabalhavam na colheita da uva no município e em outros locais da região. A reportagem apurou que também eram colhidas beterraba e cenoura e que os trabalhadores ficavam no alojamento e faziam os trabalhos em propriedades particulares de agricultores. A produção seria comprada por empresas de Santa Catarina e do Paraná. O MPT ainda analisa para quantos produtores o trabalho era feito. Além disso, conforme a investigação, não há indícios de que a produção seja vendida para vinícolas ou para empresas grandes. 

Segundo as investigações da polícia, ainda nesta semana quatro trabalhadores teriam saído do alojamento e feito uma denúncia na Polícia Federal (PF). Depois do caso ser descoberto, o homem que intermediava a mão de obra e trouxe os trabalhadores para São Marcos, um argentino de 33 anos, foi preso pela PF e encaminhado para uma unidade prisional de Caxias do Sul. Ele não tinha passagens pela polícia e foi autuado em flagrante por suspeita de manter pessoas em condições análogas à escravidão e tráfico de pessoas.

O dono da propriedade onde os trabalhadores foram encontrados é morador de São Marcos. A investigação ainda apura se o homem apenas alugou a propriedade ou se tem envolvimento com a vinda dos trabalhadores. Como os argentinos fizeram colheita em várias plantações, agora os produtores estão sendo identificados e serão notificados. 

Ainda de acordo com o MPT, a entrada dos trabalhadores no Brasil ocorreu pela cidade de Dionísio Cerqueira (SC). Conforme as denúncias divulgadas pelo órgão federal, o grupo teria sido aliciado mediante falsas propostas de trabalho, moradia e alimentação. Chegando ao país, a remuneração que havia sido combinada não teria se concretizado, tampouco as condições de moradia adequadas prometidas. A reportagem apurou que o início dos contatos eram feitos por grupos de um aplicativo de conversas. 

Após a operação, os argentinos foram levados para uma hospedagem. Eles terão acompanhamento das autoridades para receber as verbas rescisórias e valores devidos pelos contratantes, além de três parcelas de seguro-desemprego para os trabalhadores. O adolescente encontrado com o grupo retornará à sua cidade de origem. As investigações seguem em andamento. 

Promessa de boa remuneração

Os argentinos foram acolhidos pelo Centro Pop Rua, da Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias do Sul, a pedido dos órgãos responsáveis pela operação. Na tarde de quinta (1º), em uma das unidades caxienses, parte do grupo comentava que foi atraída pela promessa de uma boa remuneração. A maioria dos trabalhadores veio da cidade de Posadas, da província de Missiones. 

Um deles, de 27 anos, que preferiu não ser identificado, conta que logo quando chegou em São Marcos percebeu que o acordo feito inicialmente estava começando a mudar, tanto do valor combinado quanto das condições de moradia. Ele conta que trabalhava das 6h até  as 18h, com apenas uma pausa ao meio-dia. Desde o dia 23 de janeiro, quando chegou em São Marcos, o almoço era sempre o mesmo: pão com mortadela. 

—Na Argentina, conversamos com o empregador e era tudo gratuito: comida, alojamento, transporte e internet. Quando viemos para cá, não foi assim. Nada gratuito, tudo era cobrado — conta o homem, que veio ao país para conseguir dinheiro para pagar o tratamento de uma filha que está doente. 

Para chegar à região, o grupo que o argentino estava deixou o país vizinho em 17 de janeiro. Eles usaram um veículo Uno e uma Kombi. O que mais espantou o argentino foi a condição do alojamento. Ele até gravou um vídeo em que descrevia o barraco em uma propriedade afastada. Na gravação, o homem afirma que todos estavam passando “frio” e “fome”. 

— Vivíamos em 12 ali. Sem água encanada, sem nada. Para nos lavar, só com um balde — descreve o trabalhador. 

Por conta da situação, este trabalhador e outros três decidiram deixar a propriedade na última segunda (29). Eles procuraram ajuda e realizaram a denúncia para Polícia Federal por meio de um aplicativo de mensagens, com auxílio de um tradutor. 

O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) acompanham o grupo e verificam se os trabalhadores querem continuar no Brasil ou retornar à Argentina. Em ambos os casos, os órgãos auxiliarão os argentinos com os trâmites necessários. 

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G1 RS