Polícia
Foto: Jefferson Botega / Agencia RBS

Ao cabo das 884 páginas do relatório de investigação da tentativa de golpe de Estado, a Polícia Federal (PF) aponta o ex-presidente Jair Bolsonaro como o mentor da empreitada criminosa. Para a PF, Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito”.

Os quatro delegados que assinam a representação afirmam ainda que a investida só não foi levada adiante “por circunstâncias alheias” à vontade do então presidente da República. O argumento de que fatores externos impediram o êxito da operação é fundamental na estratégia da PF para desmontar uma tese já esgrimida por aliados de Bolsonaro, segundo os quais atos preparatórios não constituem crime.

Para fortalecer a atuação do ex-presidente nos episódios, os investigadores detalham em oito páginas sua conduta. O primeiro ato atribuído a Bolsonaro é criar, desenvolver e disseminar “a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação”. O objetivo seria sedimentar na população o sentimento de que o resultado da eleição de 2022 poderia ser fraudado e estabelecer a falsa irregularidade como justificativa para o golpe.

A mais robusta evidência dessa intenção, aponta a PF, é a reunião ministerial de 5 de julho de 2022, quando Bolsonaro e ao menos três ministros colocaram sob suspeita a inviolabilidade das urnas eletrônicas. Na mesma ocasião, três meses antes da eleição, houve discursos incisivos defendendo uma reação armada à fraude que, segundo os investigados, poderia ocorrer.

Consumada a derrota de Bolsonaro no segundo turno, em outubro, o PL apresentou petição ao Tribunal Superior Eleitoral sugerindo fraude na votação. Para a PF, a iniciativa, chancelada por Bolsonaro, continha dados inconsistentes e servia de amparo à narrativa de fraude.

Na sequência, os delegados citam uma operação visando pressionar o comando do Exército a aderir à trama golpista. A ação foi urdida em 28 de novembro de 2022, quando militares da ativa se reuniram no salão de festas de um edifício na Asa Norte, em Brasília, com o objetivo de “provocar uma ruptura institucional”, diz a PF. Logo após a reunião, foi divulgada uma “carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa”.

Tão logo a carta foi exposta, o tenente-coronel Sérgio Cavaliere escreveu a Mauro Cid cobrando postura de Bolsonaro. A troca de mensagens entre eles, diz a PF, evidencia que a carta era de “conhecimento e anuência do então presidente da República Jair Bolsonaro”.

Outro fator que cristalizou nos investigadores a convicção de que o ex-presidente não só sabia das intenções golpistas dos subordinados como comandava algumas ações foi a redação de uma minuta de decreto de Estado de Sítio que Bolsonaro teria editado, reduzindo seu conteúdo.

A PF vai além e aponta ainda que o ex-presidente teria conhecimento dos planos para assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Conforme os delegados, o planejamento para a operação foi impresso no Palácio do Planalto no dia 9 de novembro de 2022 e levado até Bolsonaro no Palácio da Alvorada pelo general Mário Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência. Uma nova versão do documento seria novamente impressa no Palácio do Planalto por Fernandes em 6 de dezembro, em horário compatível com a presença de Bolsonaro no prédio.

Na manhã seguinte, diz a PF, Bolsonaro fez ajustes na minuta do decreto de Estado de Sítio e convocou ao Palácio da Alvorada os comandantes das Forças Armadas para apresentar o texto e convencê-los “a aderirem ao plano de abolição do Estado Democrático de Direito”.

Diante da recusa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, afirma o relatório, dois dias depois o general Estevam Theóphilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, aceitou colocar as tropas na rua tão logo Bolsonaro assinasse o decreto.

A PF salienta que até aquela data, 9 de dezembro de 2022, Bolsonaro ainda não havia reconhecido a derrota nas urnas, tampouco feito qualquer aparição pública. Na mesma tarde, porém, Bolsonaro falou com apoiadores, afirmando que era “o chefe supremo das Forças Armadas”. Na sequência, reforçou a suspeita de fraude eleitoral e citou a necessidade seus eleitores “decidir para onde as Forças Armadas vão”.

Para a PF, tais declarações visavam manter as manifestações na frente de quartéis “para pressionar integrantes das Forças Armadas a aderirem ao Golpe de Estado, que estava em curso”. Bolsonaro encerrou a fala reacendendo a esperança dos apoiadores de que “iriam vencer”.

Ao final do detalhamento da conduta do ex-presidente, os delegados afirmam que “Bolsonaro efetivamente planejou, dirigiu e executou, de forma coordenada com os demais integrantes do grupo, atos concretos que objetivavam a abolição do Estado Democrático de Direito, com a sua permanência no cargo de presidente da República”.

Conforme a PF, os atos alheios à vontade de Bolsonaro que impediram o sucesso da trama golpista foram a resistência em aderir à operação dos comandantes da Aeronáutica, tenente-Brigadeiro Baptista Júnior, e do Exército, general Freire Gomes, além da membros do Alto Comando das Forças Armadas “que permaneceram fiéis à defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o então presidente da República consumasse o golpe de Estado”.

Leia a íntegra do relatório da PF

O que disse Bolsonaro

Desde o indiciamento, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestou publicamente a respeito em ao menos três ocasiões.

No dia em que a conclusão da Polícia Federal foi enviada ao STF, 21 de novembro, Bolsonaro fez publicação nas redes sociais, citando entrevista que deu a um site de notícias. Na manifestação, afirmou que o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito, “faz tudo o que não diz a lei”. “É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, acrescentou.

Dois dias depois, no sábado (23), falou a apoiadores em Alagoas:

— Não acredito nessa historinha de golpe. Ninguém viu, sequer, um soldado na rua, ninguém sendo preso, nada. Obviamente, o Alexandre de Moraes inventando narrativas, com sua Polícia Federal bastante criativa.

Na segunda-feira (25), concedeu entrevista coletiva em Brasília na qual afirmou que estudou “todas as medidas possíveis dentro das quatro linhas, dentro da Constituição” para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumisse a Presidência, mas negou que tenha discutido um golpe:

— Ninguém dá golpe de Estado em um domingo, em Brasília, com pessoas que estavam aí com bíblias debaixo do braço e bandeira do Brasil na mão, nem usando estilingue e bolinha de gude e muito menos batom. Não tinha um comandante… Vamos tirar da cabeça isso aí. Ninguém vai dar golpe com um general da reserva e meia dúzia de oficiais. Da minha parte nunca houve discussão de golpe.

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