A reportagem da RBS TV obteve acesso a troca de mensagens por aplicativo entre os três policiais militares investigados pela morte e ocultação de cadáver de Gabriel Marques Cavalheiro. O jovem desapareceu após uma abordagem da Brigada Militar (BM) no dia 12 de agosto e teve seu corpo encontrado em um açude uma semana depois.
As conversas mostram que os agentes chegam a brincar com o desaparecimento e mostram preocupação com as buscas ao corpo. Parte das mensagens foi apagada, mas o conteúdo foi recuperado pelo núcleo de perícias do Ministério Público.
A troca de mensagens é considerada uma das provas fundamentais na investigação, mas ainda há perguntas a serem respondidas. As principais são em que momento o corpo de Gabriel foi colocado dentro do açude e por que, já que a viatura ficou parada por pouco mais de um minuto durante a madrugada, tempo considerado insuficiente para que o corpo fosse levado até aquele ponto. O inquérito da Polícia Civil com esses detalhes deve ser finalizado nesta quinta-feira (1º).
Entenda
Em 13 de agosto, um dia depois do desaparecimento de Gabriel, dois dos policiais investigados enviam a primeira mensagem sobre o caso. O soldado Cléber Renato Ramos de Lima manda para o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen um print de uma rede social com a notícia sobre o desaparecimento.
A resposta vem em tom de deboche. Ele diz que “É culpa do gordinho, com a barriga cheia de baurú”. A mensagem é acompanhada de risadas.
O gordinho a quem Jacobsen se refere é o outro policial na viatura, o soldado Raul Veras Pedroso. Segundo o depoimento de uma testemunha, foi Pedroso o responsável por dar um tapa, algemar e dar três golpes de cassetete na cabeça de Gabriel.
O soldado Pedroso e o soldado De Lima também conversam por mensagens, mas em tom diferente. Pedroso pergunta se o colega comentou com alguém sobre o caso e diz acreditar que o jovem abordado “não tá em 30”, um código policial para óbito. Já De Lima responde que “não sabe” se Gabriel estaria vivo.
Pedroso também comenta que, se Gabriel estivesse morto, alguém já teria visto. De Lima responde “só se saiu e morreu de frio”. O outro colega sugere que Gabriel poderia ter seguido a estrada, enquanto De Lima faz a primeira menção ao local exato onde o corpo foi encontrado: “ou se atirou no açude ali perto”. Em seguida, ri.
Preocupado, Pedroso ainda diz: “tomara que não dê ladaia isso aí”. Ladaia é uma gíria para “incomodação”. E vai além, afirmando que só daria confusão “se aquela mulher da casa abrir a boca”, se referindo a uma possível testemunha. Foi o que aconteceu e deu início aos detalhes da investigação.
Já na madrugada do dia 14, Pedroso volta a mandar mensagens para o colega. Ele avisa que “ligaram do QTL”, o quartel na linguagem policial, e que alguém viu Gabriel entrando na viatura. Também diz que a Polícia Civil já sabe. Pedroso ainda diz que recebeu a informação de que Gabriel “estaria de volta no bairro Brasil tomando todas”, mas o colega só fala sobre isso doze horas depois. Comenta que o jovem “tem que aparecer, de preferência, vivo”.
Ainda no dia 14, o soldado Pedroso pede para se encontrar com o sargento Jacobsen em casa, situação que se repete pelo menos uma outra vez ao longo da semana após o crime. Eles também fazem ligações por meio de aplicativo de mensagens, forma que apresenta mais dificuldade de ser checada na investigação.
Já no dia 15 de agosto, dois dias após o desaparecimento, Pedroso procura novamente o sargento Jacobsen. Ele pergunta “qual a situação” e se ela “daria em alguma coisa”. O sargento diz que falou com um tenente e que à tarde o superior falaria com a família.
Em 16 de agosto, o sargento avisa o soldado Pedroso que um morador possui imagens da viatura passando e informa o endereço e o número de celular caso ele quisesse “fazer a mão”. O que quis dizer ainda não está claro. A reportagem ligou para este morador, que pediu para não se identificar.
“Ele esteve na segunda-feira aqui e pediu para olhar as câmeras, se tinha algum problema. Até então, não estava sabendo de nada, da função do brigadiano envolvido. Aí, mostrei pra ele as imagens, ele olhou, fez as anotações dele numa folha lá. Agradeceu, mas levou um tempo bom ali. Uma hora e meia, não tenho bem certeza, mas eu acho que uma hora e meia, quarenta minutos. Depois agradeceu e foi embora”, diz.
O morador afirmou que foi o sargento Jacobsen quem esteve na sua casa. E ainda informou que dias depois a Corregedoria da BM e a Polícia Civil voltaram à residência.
No dia 17 de agosto, Pedroso acompanha as buscas feitas pelos bombeiros ao corpo e vai avisando o sargento. Avisa que uma rádio informou que acharam a jaqueta. O sargento questiona se foi na barragem.
No mesmo dia, o soldado mandou mensagem para o sargento dizendo que precisavam se mexer e pensar juntos agora. Eles combinam de manter o que foi declarado em depoimento, de que deixaram o rapaz no local e seguiram trabalhando durante a madrugada. Pedroso também fala que eles precisam conversar com a advogada Vania.
Com a intensificação das buscas, não há registro de troca de mensagens em 18 de agosto. A última vez que os soldados teriam falado sobre o caso por mensagem é no dia 19. Naquele mesmo dia, o corpo de Gabriel foi encontrado à tarde e, de noite, os três policiais foram presos.
Defesa, Polícia e MP
Sobre a troca de mensagens, o advogado Ivandro Bittencourt, que defende o sargento Jacobsen, afirmou que o cliente é inocente e que só foi atrás das imagens porque pediram. Ele também disse que não perguntou ao cliente o motivo dele ter apagado as mensagens. Sobre ter acompanhado as buscas a Gabriel enquanto ele estava desaparecido, disse que foi “por preocupação”.
A advogada dos soldados Cléber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso, que é citada nas conversas, foi procurada pela reportagem, mas não atendeu as ligações.
A investigação interna da BM foi entregue à Justiça Militar ainda na segunda-feira. Foi aberto um conselho de disciplina que pode resultar na exclusão dos policiais. Nesta quarta (31), a BM, procurada pela reportagem da RBS TV, disse que não vai se manifestar a respeito.
O MP disse que só vai se pronunciar após a denúncia contra os PMs ser oferecida à Justiça. O Tribunal de Justiça Militar disse que não vai comentar sobre etapas do processo enquanto os inquéritos estiverem com o MP.
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