Ao passo em que 476.792 pessoas já morreram por coronavírus no Brasil, mais de 15,4 milhões de pacientes se recuperaram da infecção. No Rio Grande do Sul, mais de 1 milhão de pessoas venceram a doença. Superar a enfermidade, porém, não significa a plena recuperação, já que muitos pacientes apresentam diversos tipos de sequelas pós-covid.
O estudo Covid Longa, publicado em abril na revista britânica Nature – um dos mais importantes periódicos científicos do mundo –, revelou que sobreviventes da covid-19 têm um risco 59% maior de morrer dentro de um período de seis meses após a infecção.
Além do risco maior de não sobreviver, uma série de outros problemas de saúde foi citada como consequência da covid-19. Por exemplo: sequelas no sistema respiratório, no sistema nervoso, distúrbios neurocognitivos, de saúde mental, metabólicos, cardiovasculares e gastrointestinais.
Também foram mapeados nos pacientes sinais de mal-estar, fadiga, dores musculoesqueléticas, anemia, aumento no uso de analgésicos, antidepressivos, ansiolíticos, anti-hipertensivos e hipoglicemiantes. O levantamento utilizou os bancos de dados nacionais de saúde do Departamento de Assuntos de Veteranos dos Estados Unidos para identificar as sequelas.
De acordo com outro estudo, publicado no Journal of the American Medical Association (Jama) em fevereiro deste ano, 30% dos voluntários da pesquisa afirmaram sentirem sintomas do coronavírus nove meses após terem contraído a doença.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as chances de sofrer com as sequelas se elevam para aqueles que sofreram com a forma grave da enfermidade. Ou seja, os que precisaram ser internados em unidades de terapia intensiva (UTIs), por exemplo, com uso de respiradores, podem ter a recuperação mais lenta, que pode variar de três a seis semanas.
Até o momento, foram listados mais de 50 sintomas persistentes após a recuperação da covid-19, mas essa lista vem crescendo e alterando as estatísticas de prevalência a cada publicação. O que se sabe é que as sequelas são reais e elas podem variar nos indivíduos conforme o grau de severidade manifestado no auge da doença. Os que precisaram de internação geralmente apresentam consequências físicas e cognitivas. Já que os tiveram casos mais leves manifestam sintomas oriundos da interação do vírus com o organismo.
Quatro médicos que atuam na linha de frente de atendimento de pacientes com covid-19 e recuperados da doença no Estado enumeram as sequelas mais recorrentes associadas ao pós-covid e reforçam a importância de as pessoas, mesmo recuperadas, irem ao médico para fazer a correta avaliação da situação para que seja possível traçar uma estratégia de tratamento, se for o caso.
Confira as sete sequelas mais comuns:
Fadiga
Segundo dados da Mayo Clinic, organização médica norte-americana, dos cem pacientes estudados, 80% relataram ter sentido fadiga até três meses após a infecção. De acordo com Diego Mendes Riveiro, médico internista e intensivista do Hospital Mãe de Deus (HMD), não há uma explicação definitiva sobre esse sintoma, mas ele aponta uma alternativa:
— Acreditamos que seja resquício da resposta inflamatória sistêmica que compromete, em algum grau, o sistema osteomuscular (conjunto de músculos do corpo humano) e o respiratório. Desse modo, a sequela se manifesta por meio da fadiga e dispneia (dificuldade ou falta de ar).
Acreditamos que seja resquício da resposta inflamatória sistêmica que compromete, em algum grau, o sistema osteomuscular e o respiratório. Desse modo, a sequela se manifesta por meio da fadiga e dispneia
DIEGO MENDES RIVEIRO
Médico internista e intensivista do Hospital Mãe de Deus
Regis Rosa, médico intensivista e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento (HMV), acrescenta que a fadiga pode se manifestar por comprometimento cardíaco, além de pulmonar. Isso porque a inflamação causada pela doença pode provocar miocardite, ou seja, inflamação do músculo do coração, o que compromete a plena capacidade de funcionamento do órgão e provoca a fadiga.
— Há também outra possibilidade para explicar esse quadro. O uso de medicamentos, quando no auge da covid, pode causar dano muscular. Os bloqueadores neuromusculares, por exemplo, que são fundamentais para o período de entubação, podem contribuir para a fraqueza muscular e, consequentemente, a fadiga — diz.
Fibrose nos rins
Quando o coronavírus invade o organismo humano, nosso sistema de defesa entra em campo. Nesse caso, uma tempestade de citocinas, proteínas que regulam a resposta imunológica, se forma para tentar controlar o invasor, diz Glauber Signorini, diretor técnico do Instituto de Cardiologia.
— Mas essa resposta pode ficar fora de controle e atrair células inflamatórias para a área, o que pode prejudicar ainda mais as partes do corpo já afetadas pelo coronavírus. Alguns pacientes podem vir a precisar, mesmo depois da alta hospitalar, de acompanhamento clínico, pneumológico, nefrológico e outros.
Segundo a National Kidney Foundation, dos EUA, entre 3% a 9% dos pacientes de covid-19 desenvolvem insuficiência renal aguda e, em alguns casos, precisam de diálise.
Falta de ar
Em pacientes graves do coronavírus, a sequela pode evoluir para fibrose pulmonar (substituição do tecido pulmonar normal por um cicatricial) ou uma bronquiolite obliterante (doença pulmonar crônica em que as células não conseguem se recuperar após uma inflamação ou infecção), explica Riveiro:
— Essa é a resposta inflamatória do pulmão vista em pacientes que passaram pelo processo de ventilação mecânica por terem tido o órgão comprometido pela ação da covid. Isso acontece porque as células dos alvéolos, quando infectadas pelo coronavírus, sofrem alterações que levam à sua morte. Esse processo nos leva a uma inflamação e/ou edema pulmonar que quebram o ciclo de trocas gasosas, que desemboca na falta de ar.
Regis Rosa pontua ainda que de 25% a 50% dos curados apresentam redução na capacidade de oxigenação do sangue, que é a principal função do pulmão.
— Isso também explica a falta de ar. Podemos citar ainda que essa dificuldade está atrelada à fraqueza dos músculos. Nesse caso, os de cunho respiratório, como o diafragma, que é crucial para a respiração e que pode ser acometido pela infecção — diz o médico e pesquisador do HMV.
Perda de olfato e de paladar
O comprometimento do nervo olfativo é outra sequela vista a longo prazo entre os pacientes recuperados, e isso provoca a perda da capacidade de sentir os cheiros, aponta Riveiro:
— O coronavírus prejudica essa região. Com essa área comprometida, as vias respiratórias superiores podem ficar inchadas e dificultar a entrada de informações sobre cheiros. Como consequência dessa alteração no funcionamento do nariz, o paladar também é afetado, visto que as duas estruturas (olfato e paladar) estão muito ligadas.
Signorini reforça que isso pode ser perigoso, ainda mais para aqueles que vieram de casos mais graves da enfermidade, porque afeta diretamente o apetite e pode contribuir ainda mais para a perda de peso. Porém, ressaltou que a condição é reversível:
— A maioria dos indivíduos recupera o olfato até um mês depois. Já outros podem levar mais de seis meses.
Ansiedade e depressão
Signorini ressalta que os problemas psicológicos causados pelo coronavírus também são relatados com frequência pelos pacientes. O medo da morte, de ser reinfectado ou de que alguma pessoa próxima seja contaminada pelo vírus não saem do pensamento.
A covid deixa uma sequela pós-traumática, como se fosse uma guerra, porque é uma enfermidade muito agressiva
GLAUBER SIGNORINI
Diretor técnico do Instituto de Cardiologia
— A covid deixa uma sequela pós-traumática, como se fosse uma guerra, porque é uma enfermidade muito agressiva — afirma o diretor técnico do Instituto de Cardiologia.
Do ponto de vista da ansiedade, Regis Rosa destaca outros sintomas:
— Preocupação exacerbada, inquietação, taquicardia, palpitação e sudorese são indicativos desse processo. Cerca de 15% a 20% dos recuperados apresentam sintomas de ansiedade. O Brasil já tem um índice elevadíssimo de ansiedade entre a população. Isso foi acentuado por esse cenário pandêmico, de milhares de mortes por dia.
Diminuição da concentração
Essa sequela pode ser resultado do efeito devastador do coronavírus no sistema nervoso central, afirma Rosa. O vírus pode causar inflamações nos neurônios, que são responsáveis pela função de cognição, explica o médico e pesquisador do HMV:
— Em função disso, os pacientes recuperados relatam dificuldade de concentração e em executar funções. Sentem que o ato de tomada de decisão está mais lento, assim como a capacidade para fazer cálculos e de processar informações. Além disso, os sedativos também podem causar disfunção cognitiva a longo prazo.
Agravamento de doenças preexistentes
Descompensação de doenças preexistentes é outro sintoma que aparece com certa regularidade, afirma Jussara Silveira, uma das coordenadoras do Ambulatório Pós-Covid-19 do Hospital Universitário da Universidade Federal de Rio Grande (HU-Furg):
— Por exemplo, se o indivíduo tinha diabetes leve, agrava para uma de mais difícil manejo. Isso tem se mostrado frequente, mas não temos uma explicação definitiva porque, se o coronavírus é novo, o estágio pós-covid é mais recente ainda. Estamos estudando essas sequelas. Porém, essa não é primeira doença viral que provoca essa alteração. A chikungunya também provoca essa mudança.
GZH