Saúde
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Enfrentando pressões por parte de hospitais por causa do novo modelo de remuneração, e também de servidores, que reivindicam reestruturação salarial e de cargos, o IPE Saúde tem sofrido rejeição e críticas por parte de seus usuários. Ao buscar os serviços de saúde, segurados em todo o Estado se deparam com a escassez de médicos, cobranças “por fora” e demora para conseguir consultas.

Moradora de Cruz Alta, no Noroeste, Lucilene Brugo, 40 anos, pedagoga afastada por motivos de saúde, caracteriza a situação como “uma tristeza”. Ela relata que há poucos médicos credenciados em sua região. Com isso, leva tempo até conseguir uma consulta.

Além disso, alguns profissionais cobram valores por fora do plano – uma prática indevida. Assim, uma consulta que custaria R$ 38 sai por R$ 200 ou R$ 250 (metade do preço de uma consulta particular). Nesses casos, os médicos “agilizam” a marcação. Necessitando do atendimento, os usuários se submetem a pagar os valores. Os exames, por sua vez, costumam ser solicitados utilizando o IPE. Quando precisou consultar com um dos poucos ginecologistas cadastrados na sua região, Lucilene não viu outra saída.

A prática se estende para outros serviços. Quando iniciou a hemodiálise, Lucilene teve de pagar R$ 900 para fazer um acesso, em Ijuí, já que o plano não cobria anestesia nem a prótese. Logo depois, porém, necessitou do mesmo procedimento, e todos os custos foram cobertos pelo plano em Cruz Alta – o que deixou a pedagoga confusa.

— É bem complicado, porque já pagamos o plano mensal e ainda temos de pagar por fora — lamenta Lucilene, que, devido ao valor, não conseguiu retornar em um dos médicos no ano passado.

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Moradora de Cruz Alta, Lucilene Brugo relata que há poucos médicos credenciados em sua região.Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal

Hoje, além do IPE – que recebe não só os pagamentos dos usuários, como também recursos públicos –, Lucilene tem um plano de um hospital local, que fornece um desconto maior, motivo pelo qual opta por utilizá-lo.

— Eu uso o plano (do IPE) em específico por conta da hemodiálise. Fora isso, não vale mais a pena — avalia.

No caso de outra beneficiária, que prefere não se identificar, por medo de represália em sua cidade na Campanha, sua família está desamparada. Sua irmã teve um acidente vascular cerebral e seu pai, um idoso de 98 anos, passou a ter problemas de saúde graves.

— Certa de que os dois, que são segurados IPE, teriam toda a assistência, comecei a conhecer a realidade cruel de não ter médicos que aceitassem interná-los pelo IPE. Meu pai teve de fazer a cirurgia de colocação de prótese no fêmur pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — relata.

De acordo com ela, nenhum médico aceitou interná-lo pelo IPE, pois alegavam que o sistema pagava “muito pouco” aos médicos. Assim, ele ficou 10 dias aguardando pela cirurgia em um quarto SUS, apesar de pagar pelo plano. Também foram custeados pelo SUS os exames e a cirurgia. Somente depois, um médico decidiu dar a baixa pelo plano, para que a recuperação da cirurgia fosse feita em um quarto IPE. Além disso, a família alega que houve cobrança e ameaças por parte do anestesista para receber o valor pelo IPE, mesmo com a cirurgia tendo sido feita pelo SUS.

Todos colocaram os prejuízos nas costas do segurado. A administração do IPE, o Estado, a classe médica com seu poderoso sindicato, os hospitais que fingiram não ver as fraudes que são cometidas por isso.

BENEFICIÁRIA DO IPE QUE PREFERE NÃO SE IDENTIFICAR

Moradora da região da Campanha

— Gastamos um valor absurdo por mês pagando consultas particulares, pois muitos médicos não atendem mais pelo IPE. Como é possível o segurado ser descontado todo o mês e não ter o serviço prestado? Isso é apropriação indevida do dinheiro do segurado — cobra.

A beneficiária chegou a a cotar outros planos de saúde, mas se depararam com valores exorbitantes e até mesmo negativas dos próprios serviços em atender idosos. Agora, ela está analisando ingressar com ações judiciais por danos morais contra o IPE, pois considera “imoral” e “uma violação das mais cruéis” deixar os dois sem assistência, em meio a diversas despesas médicas em decorrência da idade, enquanto o valor do plano é descontado de seus salários.

— Todos colocaram os prejuízos nas costas do segurado. A administração do IPE, o Estado, a classe médica com seu poderoso sindicato, os hospitais que fingiram não ver as fraudes que são cometidas por isso — declara.

Dificuldade no acesso

Não tenho nem mais como pagar consulta, pois o meu salário, desde que me aposentei há sete anos até agora, aumentou R$ 60. Só que o desconto do IPE também aumentou. Então hoje estou assim, já não sei se boto comida na mesa ou tomo meus remédios para dor.

EX-MERENDEIRA QUE PREFERE NÃO SE IDENTIFICAR

Paciente do IPE e aposentada

Os casos se repetem em diferentes cidades. Em São Leopoldo, na Região Metropolitana, a esposa do professor estadual Cássio Ritter, 63, precisa de uma cirurgia para a retirada do rim. Após enfrentar dificuldade para encontrar um médico, o quinto profissional consultado aceitou fazer o procedimento pelo IPE. Outros quatro queriam realizar a cirurgia utilizando robótica, uma tecnologia que não tem cobertura pelo plano. Para isso, um deles chegou a pedir R$ 40 mil – o procedimento normal, por vídeo, é coberto pelo IPE, segundo Ritter.

Na região Noroeste, uma ex-merendeira que prefere não se identificar, luta há anos para realizar uma cirurgia. Ela passou por um especialista que queria cobrar R$ 16 mil pela operação em 2022. Sem condições de arcar com os custos, já que tem aposentadoria de R$ 1,6 mil, foi encaminhada ao SUS, e aguarda na fila desde então – ainda resta cerca de um ano e meio até o procedimento. Ela chegou a pagar R$ 550 por uma consulta com outro especialista, mas, ao tentar retornar, viu o médico se descredenciar do plano.

— Não tenho nem mais como pagar consulta, pois o meu salário, desde que me aposentei há sete anos até agora, aumentou R$ 60. Só que o desconto do IPE também aumentou. Então hoje estou assim, já não sei se boto comida na mesa ou tomo meus remédios para dor — lastima.

Mirtes Quadro / Arquivo Pessoal
Mirtes Quadro trabalhou a vida toda em escola pública.Mirtes Quadro / Arquivo Pessoal

Desistência

Se, por um lado, diversas pessoas continuam a enfrentar essa realidade na busca por serviços de saúde, por outro, alguns já optaram por abandonar o plano, conforme relatos que chegaram até a reportagem. Professora estadual aposentada desde 2021, Mirtes Quadro, 63, moradora de Frederico Westphalen, trabalhou a vida toda em escola pública. Devido a mudanças em lei, porém, reajustes foram consumindo vantagens que recebia e reduzindo sua aposentadoria de tal forma que, quando o IPE Saúde passou pela última reforma, passou a sobrar pouco dinheiro.

A saída foi remover seu marido de 68 anos do plano de saúde, já que o aumento substancial se deu principalmente em relação aos dependentes.

— Porque o desconto do meu marido, conforme a tabela de idade, atingiu o patamar mais alto. Dessa forma, a saída que encontrei foi excluir o meu marido do Ipê e também abrir mão do Pames, um plus que paguei a vida toda para garantir melhores condições de internação quando for precisar tratar da minha saúde com dignidade — relata.

Após abrir mão de parte do serviço, Mirtes viu um pequeno aumento em seus rendimentos – que, mesmo assim, considera insuficientes. A professora aposentada também relata ausência de notas fiscais e um baixo número de médicos credenciados dispostos a atender pelo IPE.

— Se continuar esse confisco anual das minhas vantagens, não vou hesitar em me desligar completamente do IPE e apelar para os serviços de saúde do SUS — afirma.

Em notas, a gestão do plano diz que tem quase 8 mil prestadores de serviço credenciados, e que trabalha para vetar as cobranças indevidas. Além disso, defende os reajustes recentes, sinalizando que a dívida aumentaria sem as medidas.  

O que diz o IPE Saúde

O IPE Saúde destaca que conta atualmente com quase 8 mil prestadores de serviço credenciados, sendo cerca de 5,5 mil médicos, 244 hospitais, 678 clínicas, 649 laboratórios, 53 prontos-socorros, entre outros. Além disso, o Instituto tem trabalhado constantemente buscando inserir novos profissionais em cidades e especialidades consideradas estratégicas. Só no mês de fevereiro foram oficializados os credenciamentos de dois importantes hospitais, um em Montenegro e outro em Caxias do Sul. 

Importante ressaltar que o Instituto também tem trabalhado na valorização do profissional médico. Em novembro e dezembro de 2023, foram reajustados os valores de consultas médicas – em 20% -, visitas hospitalares – em 64,13% – e de 95 procedimentos médicos indicados pelas entidades representantes da classe – parto normal e cesariana, por exemplo, em 297%. O reajuste colocou os valores pagos pelo IPE Saúde no mesmo patamar de outros planos. 

O IPE Saúde salienta ainda que tem trabalhado permanentemente buscando coibir as práticas de cobrança indevida. O instituto vem realizando ações de mitigação do problema, através da Ouvidoria especializada e da Comissão Processante Permanente, que analisa todas as denúncias recebidas e, havendo materialidade, dá o encaminhamento para adoção das providências cabíveis.  

Qualquer cobrança além da coparticipação e da anestesia é uma prática irregular. A orientação é que os usuários, quando se depararem com esse tipo de situação, entrem em contato com a ouvidoria do instituto pelo (51) 3288.1538 ou pelo site, munidos de prova ou evidência material que configure o ilícito.   

Cabe ressaltar que todos os profissionais que constam no Guia Médico Hospitalar estão credenciados e aptos a atender pelo IPE Saúde. A negativa de atendimento sem justa causa também é passível de registro na ouvidoria.

Os novos valores, implementados pelo projeto de reestruturação do Instituto e praticados desde outubro de 2023, são necessários para promover o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema. As novas regras foram definidas através de estudos técnicos realizados pelo IPE Saúde e do debate com as partes envolvidas.

Em 2022, o déficit chegou a R$ 440 milhões. Sem as alterações estruturais, todo o mês o instituto aumentaria a dívida, em média, em R$ 36 milhões. 

As principais novidades são o ajuste da alíquota dos titulares de 3,1% para 3,6% do salário e a cobrança por dependentes de acordo com a faixa etária. Além disso, foram previstos mecanismos que limitam a contribuição máxima para o segurado titular e também para o grupo familiar. 

As premissas da nova lei são não sobrecarregar os titulares do plano, manter o princípio da paridade de contribuição entre Estado e servidores estaduais, a contribuição de dependentes e a consideração da faixa etária dos segurados como elemento limitador para as mensalidades.

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