A realidade de alta inflação, com o acumulado nos últimos 12 meses acima de dois dígitos, taxa elevada de desemprego e crise econômica levam o país a contar com uma fatia considerável de brasileiros endividados. O cenário afeta o bolso, mas também a saúde, apontam estudos.
E os impactos vão muito além dos já conhecidos, como aumento de ansiedade e depressão, sendo associados também a um risco maior para doenças cardiovasculares e a um sistema imunológico enfraquecido para combater infecções, alertam especialistas.
De acordo com uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), para 78% dos brasileiros a incerteza financeira é a principal causa de preocupação. Especialistas explicam que esse estado de alerta permanente promove um quadro de estresse crônico que, consequentemente, provoca uma liberação constante de hormônios.
“São hormônios que respondem ao estresse físico, sendo liberados durante exercícios, por exemplo, mas que também respondem ao estresse psíquico, como é o caso do endividamento. É o caso da adrenalina, do cortisol e seus derivados, que aumentam a frequência cardíaca e a pressão arterial”, explica a endocrinologista Ana Carolina Nader.
Esse desequilíbrio na circulação causado pelos hormônios leva o risco para doenças cardiovasculares, e até mesmo de morte, a ser quase o dobro para adultos sem uma renda extra, mostrou um estudo conduzido por pesquisadores suecos, publicado na revista científica BMC Public Health.
Os maiores impactos são entre os mais velhos. Um estudo do Centro de Pesquisa de Finanças Pessoais da Universidade de Bristol e do Instituto Internacional de Longevidade do Reino Unido (ILC-UK) mostrou que aqueles que estão lutando para gerenciar suas finanças com mais de 50 anos são oito vezes mais propensos a ter níveis reduzidos de bem-estar mental do que as pessoas na mesma faixa etária com melhores condições econômicas.
Porém não são restritos a essa faixa etária. Pesquisadores da Universidade de Colorado Denver, da Dartmouth College e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, descobriram que os impactos podem chegar cedo na vida.
Com base na análise de dados coletados entre 1994 e 2018, de mais de 4 mil pessoas que ao fim tinham até 44 anos, o estudo constatou que o risco para desfechos cardiovasculares foi consideravelmente maior entre aqueles que fizeram um empréstimo ou estavam constantemente endividados em relação aos que já fizeram um empréstimo, mas que foi pago, ou que nunca se endividaram.
Infecções
O estresse crônico também fragiliza o sistema imune. Segundo um novo estudo, publicado na revista científica Nature, esse impacto acontece porque ele ativa neurônios de uma região chamada de hipotálamo paraventricular. Essa área impulsiona uma migração de células imunes em larga escala dos linfonodos – estruturas que funcionam como filtros para agentes infecciosos – para o sangue e a medula óssea.
Esse mecanismo diminui a ação dos agentes de defesa no combate a infecções. Para chegar a essa conclusão, especialistas realizaram um experimento com camundongos em que os animais foram expostos aos vírus da influenza e da covid. Os grupos sob estresse tiveram menor ação do sistema imune, quadros mais graves da doença e índices maiores de óbito.
Saúde mental
Há ainda as consequências mais conhecidas, porém não menores, das dificuldades financeiras: os impactos para a saúde mental. E esses quadros acentuados de ansiedade e depressão tornam mais difícil sair de uma situação de endividamento, constatou um estudo publicado na revista científica International Journal of Social Psychiatry.
Em casos mais graves, esses quadros de saúde mental fragilizada pela situação financeira podem levar a cenários de abusos de substâncias, como álcool e remédios. Isso porque algumas pessoas acabam buscando uma forma de se “anestesiar” para lidar com a situação, explica a foutora em psicologia clínica, Ana Maria Rossi.
Para amenizar esses impactos do estresse crônico no corpo e na mente, as especialistas destacam que é preciso atuar em duas frentes: maneiras de organizar as finanças e formas de melhorar a saúde do corpo.
“Parte importante é o diálogo com a família, porque envolve gestão do orçamento e, em muitos casos, contenção de gastos. Pode ser necessária também uma orientação especializada, nesse caso iniciativas voluntárias são melhores para não gerar um novo gasto”, diz Ana Maria.
Para ter condições de pensar sobre o problema de forma prática e racional, a psicóloga reforça que é importante priorizar um sono reparador, sem que os problemas sejam levados para a cama. Isso porque noites mal dormidas também agravam os riscos de doenças cardiovasculares, aumentam a gordura abdominal e visceral e levam a uma rotina de fadiga que dificulta a realização de atividades como trabalho e gestão das finanças durante o dia.
Para aqueles que podem ter dificuldades de encaixar o exercício físico na rotina, ela sugere que uma boa saída é aproveitar os momentos do dia em que é possível utilizar escadas no lugar de elevadores ou descer alguns pontos antes do ônibus para fazer uma caminhada.
No entanto, os especialistas lembram que em casos mais acentuados de problemas de saúde mental e de efeitos na circulação, como dores no peito, taquicardia constante e pensamentos autodepreciativos, é indispensável a busca por uma ajuda médica especializada.
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O Sul