Imagine um cenário onde bilhões de dólares são investidos anualmente para explorar os instintos mais básicos do ser humano. Um cenário onde a biologia que nos ajudou a sobreviver por milênios é usada contra nós, transformando-nos em reféns de produtos que consumimos todos os dias. Bem-vindo ao mundo dos alimentos ultraprocessados – onde a neurociência e o instinto humano são manipulados para criar “comida viciante”.
O que faz você ansiar por aquele pacote de batatas fritas ou pela combinação de chocolate e caramelo? A resposta está na forma como esses alimentos são formulados. Cientistas da indústria dos ultraprocessados descobriram que, ao combinar açúcar, gordura e sal em proporções exatas, eles podem enganar seu cérebro para liberar dopamina – o neurotransmissor do prazer. Esse mecanismo, que nos ajudou a sobreviver durante tempos de escassez, hoje nos prende a produtos com pouco valor nutricional, mas irresistíveis.
Nossos ancestrais caçadores-coletores buscavam alimentos ricos em energia para garantir sua sobrevivência. Açúcares naturais em frutas e a gordura em carne eram preciosos para manter a energia em tempos difíceis. Mas, no mundo moderno, onde a comida é abundante, esse instinto se tornou uma armadilha. O grande problema do mundo atualmente não é mais a fome, mas sim a obesidade e o consumo excessivo de produtos alimentícios.
Quando consumimos alimentos ultraprocessados, a liberação de dopamina é tão intensa que o cérebro começa a associar esses alimentos com prazer. Porém, essa satisfação é fugaz. Logo após o consumo, os níveis de dopamina caem, e o cérebro clama por mais – iniciando um ciclo vicioso. Cada vez que você cede à tentação, reforça esse circuito de recompensa, tornando-se viciado.
A indústria manipula esse processo biológico. Alimentos ultraprocessados são projetados para serem baratos, fáceis de armazenar e altamente palatáveis. Empresas de cigarro, ao perceberem a queda nas vendas de tabaco, começaram a adquirir grandes empresas alimentícias, transferindo seus cientistas para criar produtos igualmente viciantes.
O marketing dirigido às crianças é especialmente perigoso. Sabemos que cérebros em desenvolvimento são mais suscetíveis à criação de hábitos, e a indústria aproveita essa vulnerabilidade para criar clientes fiéis desde cedo. A exposição constante a esses alimentos não apenas cria uma dependência, mas também molda preferências alimentares que podem durar a vida toda.
Os efeitos dessa dependência se refletem nas crescentes taxas de obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. O consumo regular de alimentos ultraprocessados, ricos em calorias vazias e pobres em nutrientes, é uma das principais causas dessas condições. E, enquanto a saúde pública sofre, os lucros da indústria aumentam.
A solução para esse problema envolve educação, regulação e uma mudança cultural na forma como percebemos e consumimos alimentos. O problema é que o consumo desses produtos está enraizado na nossa cultura, sempre em nome de um suposto equilíbrio. Mas como lidamos com viciados em drogas? Pedimos equilíbrio, dizendo para consumir pequenas quantidades?
A batalha contra a indústria dos ultraprocessados é, em última análise, uma luta pela liberdade. A liberdade de fazer escolhas alimentares informadas, a liberdade de romper com o ciclo do vício e a liberdade de viver uma vida mais saudável e plena. A conscientização é o primeiro passo, mas precisamos de políticas que protejam os consumidores, de campanhas educativas que revertam décadas de marketing enganoso e, sobretudo, de uma decisão coletiva para priorizar a saúde sobre o lucro.
Os alimentos ultraprocessados podem ser difíceis de resistir, mas saber como eles manipulam nosso cérebro nos dá poder. É hora de usar esse conhecimento para tomar decisões mais conscientes e recuperar o controle sobre o que colocamos em nossos pratos. Afinal, a verdadeira liberdade começa com escolhas informadas e saudáveis.
Fernando Bastos é médico, palestrante e escritor. Autor do Best Seller “O Ciclo Original”
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