Saúde
Foto: EBC

O estigma do câncer como “doença de rico” é um preconceito que em boa medida ficou no passado, porque hoje pessoas de menor renda já não morrem tanto quanto no passado de outras causas como violência e doenças infecciosas. Pelo contrário, hoje o câncer é uma doença que impacta populações desfavorecidas de maneira até mais grave, afirma a epidemiologista Mirian Carvalho de Souza, pesquisadora do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Muitos dos trabalhos da cientista mostram como o desequilíbrio na incidência de tumores e no acesso ao tratamento se manifesta no país. Um deles mostra como mulheres negras têm sobrevida pior para câncer de mama em comparação com mulheres brancas tratadas pelo SUS.

Em entrevista ao jornal O Globo, Carvalho mostra como essas e outras desigualdades se distribuem no cenário brasileiro da doença.

– O Brasil é um país desigual no gênero, na raça, na renda e em outros aspectos. Qual dessas desigualdades se manifesta mais no impacto do câncer? “Nunca estudei desigualdade de gênero, mas posso falar de desigualdade de renda e escolaridade, que caminham juntas com a raça. Em geral, usamos renda ou escolaridade ou raça para fazer esse estudo de desigualdade socioeconômica no acesso a serviços de saúde.”

– Em que ponta a desigualdade impacta mais no câncer? Na exposição a fatores de risco, no acesso a diagnóstico, ou no tratamento? “Diria que é mais no acesso aos serviços de saúde. Em termos de incidência, a desigualdade existe principalmente para fatores de risco ocupacionais, porque elas vão se dar de forma mais agravada para algumas ocupações e profissões. Existem algumas indústrias em que as pessoas são mais expostas, e, em geral, essas pessoas também têm renda um pouco menor.

Na hora de acessar o tratamento a pessoa já tem um diagnóstico. Ela já é um caso novo e precisa acessar um tratamento ou mesmo um diagnóstico mais acurado. Dependendo do tipo de câncer, você não faz só um exame histopatológico, precisa também de outro exame que possa dar um rótulo para aquele câncer. Se a pessoa não tiver acesso a esse tipo de exame, demora mais a fazer o diagnóstico completo e ter acesso a tratamento. Então, acho que hoje as desigualdades sociais impactam mais no diagnóstico e no tratamento do que na incidência em si.”

– Descontando os fatores de risco mais ocupacionais, que outros impactam a população brasileira de forma mais desigual? “Em relação a fatores que podemos prevenir, um dos clássicos é o tabagismo. Sabemos que a proporção de fumantes é maior em pessoas de menor escolaridade, historicamente. E ela se mantém assim. A qualidade da alimentação também vai ser diferente em função da escolaridade e do estrato socioeconômico da pessoa. E as exposições ocupacionais também podem se dar de maneira diferente, até porque uma pessoa do estrato socioeconômico mais elevado está mais preparada para pedir equipamentos de proteção individual e tentar se proteger de alguma maneira. Um pescador que sabe como a exposição solar no dia a dia faz mal, vai se proteger melhor do que outro que negligencia isso e diz ‘meu avô era pescador e é assim mesmo’.”

– Algumas décadas atrás, existia no Brasil um estigma de o câncer ser “doença de gente rica”, talvez resquício de uma época quando população de baixa renda morria mais de doença infecciosa ou violência. Com tanta desigualdade no impacto do câncer, esse estigma ainda persiste? “Acho que esse estigma já foi superado, porque o câncer não escolhe raça nem gênero nem classe social. Ele está espalhado pela nossa sociedade, e com o envelhecimento da população isso acomete com cada vez mais pessoas. As pessoas estão ‘tendo chance de ter câncer’, porque se antes muitas delas morriam aos 40 anos, elas não tinham. A carga do câncer na sociedade aumenta à medida que as pessoas envelhecem, porque é um processo natural de oxidação do ser humano. A medida que temos mais gente mais velha, mais gente vamos encontrar com câncer ao longo dos próximos anos.” As informações são do jornal O Globo.

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O Sul