Frio é normal no inverno como calor é comum no verão. Às vezes, por estar numa região de transição climática entre o ar mais frio do Sul e quente dos trópicos, o Sul do Brasil tem alguns dias de temperatura baixa em plena estação quente. Como são normais e não raro frequentes dias de temperatura ou alta em pleno inverno, sobretudo nos meses de agosto e setembro que apresentam elevação da temperatura média. Muito se tem falado desde o começo da semana sobre a massa de ar frio prevista para chegar no começo de novembro. Esta incursão de ar frio, afinal, merece tanta atenção? Sim, vai ser um evento notável do ponto de vista da climatologia. Embora fazer frio em novembro não seja algo inédito, a intensidade desta massa de ar frio destoará muito do que é comum para o penúltimo mês do ano.
Aprendemos na escola a diferença entre tempo e clima. O tempo é curto prazo, a condição momentânea da atmosfera. Como exemplo, os dias de ontem e hoje tiveram calor. Já o clima é mais longo prazo. Como hipótese, o próximo verão deve ter clima seco e quente. Por isso, a Meteorologia trabalha com médias e curvas climatológicas. Vamos olhar o caso de Porto Alegre. Em julho, considerando as médias climatológicas da série 1991-2020, a temperatura mínima média histórica na capital gaúcha é de 10,7ºC enquanto a máxima média é de 19,7ºC. Assim, um dia em que tiver temperatura mínima de 8ºC e máxima de 16ºC não foge muito ao normal do mês. É absolutamente comum.
Já novembro em Porto Alegre tem mínima média histórica de 17,2ºC ao passo que a média das máximas no mês é de 27,7ºC. Assim, um dia que tiver 8ºC em novembro registrará temperatura mínima 9ºC abaixo da média, o que é muito. Se o mesmo dia anotar máxima de apenas 16ºC, esta ficará 11ºC abaixo da média, o que é bastante. Portanto, o que foge ao comum em novembro não necessariamente escapa ao normal que se está acostumado a enfrentar no inverno. Aliás, estamos mais do que acostumados com as temperaturas que se prevê para a semana que vem. Voltando à referência de Porto Alegre, se mínima abaixo de 10ºC é pouco comum em novembro, tivemos 15 dias com menos de 10ºC em junho, 6 dias em julho e 9 em agosto, logo 30 dias ou um mês inteiro com mínimas de um dígito na cidade.
Uma métrica que nós meteorologistas utilizamos para identificar a intensidade de uma massa de ar frio é a temperatura no nível de 850 hPa, nível de pressão atmosférica que corresponde a 1.500 metros de altitude. Vamos comparar esta que está vindo com uma recente que todos têm na memória? Uma massa de ar polar muito intensa ou poderosa de inverno, como a do final de julho de 2021 que trouxe uma grande nevada, tem temperatura em 850 hPa tão baixa quanto -5ºC a -7ºC. Não é o tipo de massa de ar frio que se tem todos os anos. A que se prevê para o começo do mês, de acordo com os dados de hoje dos modelos, teria uma temperatura em 850 hPa em torno de -1ºC no Sul gaúcho, 0ºC em Porto Alegre e também ao redor de 0ºC entre os Aparados da Serra e Planalto Sul Catarinense. Massas de ar frio com 0ºC em 850 hPa são bem comuns no inverno, mas não em novembro.
Então, qual o ponto? Vai fazer frio, que seria normal para o inverno, mas é incomum para o mês de novembro por ser uma época mais quente e com médias de temperatura na climatologia muito superiores às da metade do ano. Dessa forma, para a maioria esmagadora maioria das pessoas o frio da semana que vem não representa um risco maior, exceto o teste para a saúde de sair de um calorão no fim de semana para frio fora de época no começo da semana. Pode ter neve? Modelos indicam há vários dias, mas, por experiência, prognósticos do fenômeno somente são mais confiáveis mais perto do evento, mesmo no inverno. Em se tratando de novembro, mês que não tem um registro sequer de neve na climatologia histórica, a cautela se impõe ainda mais.
O frio vai representar risco e alto é para a agricultura, afinal se espera geada e nesta época do ano, quando o fenômeno ocorre tende a se limitar mais a cidades de maior altitude, como dos Aparados e o Planalto Sul Catarinense. Desta vez pode gear muito tardiamente em municípios de baixa e média altitudes, o que em se tratando de novembro é pouco comum e atinge o começo da safra de verão. Se em setembro geada tardia já preocupa o campo, imagine no mês de novembro. Em 2007, ano que é análogo a 2022 nas análises de clima da MetSul, o mês de novembro teve uma poderosa massa de ar frio para os padrões de novembro na Argentina. As zonas produtoras enfrentaram geada, em muitos locais forte, entre os dias 11 e 15 de novembro daquele ano. À época, segundo entidades ruralistas argentinas, a perda no trigo foi de 1,5 milhão de hectares ou 200 milhões de dólares em prejuízo.
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