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Foto: Arquivo Pessoal

O vinho, como dizem especialistas, fica melhor com o passar do tempo. A máxima também pode ser usada no casamento. Não é à toa que os 70 anos de casados são representados pelas bodas de vinho.

Em Passo Fundo, um casal se orgulha de alcançar essa marca. Sem nunca terem brigado ou tido qualquer discussão relevante, Alcides e Amália Sacomori vivem juntos há sete décadas. Nesse tempo, criaram quatro filhas, aproveitam nove netos e já desfrutam de bisnetos e uma tataraneta que está por vir.

Em 1949, quando se conheceram, o mundo e os relacionamentos eram outros. Amália, natural de Constantina, interior gaúcho, levava uma vida tranquila com família até a chegada de Alcides. “Eles moravam em Marcolino e eu tinha uns tios por lá, irmãos da minha mãe, e um dia fomos passear para lá. E lá, corre para lá, corre para cá, eu encontrei Amália. Ela era filha de um comerciante ‘de mais’ nome na cidade. E quando cheguei lá, ela e a irmã dela cuidavam da loja. Quando vi as duas moças, a mais velha era Amália, que era linda, linda mesmo”, lembra Alcides, que usou a desculpa de que um dente estava doendo para poder ficar mais tempo na loja, admirando a beleza de Amália.

O passeio que era para durar apenas alguns dias, virou duas semanas. “Depois que ela subiu na escada pegar os remédios, fiquei olhando as pernas dela. Era uma ‘gringa’ bonita e ali nos encontramos e começamos”. Ele tinha 16 anos e ela 18.

Alcides já estava apaixonado por Amália e decidiu se mudar para Constantina. Criou um negócio junto dos pais, uma ‘bodega’, mas ainda não estava feliz. Até que encontrou um comerciante, que tinha um caminhão. Mesmo sem a aprovação dos pais, ele foi trabalhar para o comerciante, pois, “não tinha o que o segurasse”.

Depois disso, casaram em Constantina, em uma igreja. Como Alcides ainda não tinha idade suficiente para o casamento no cartório, a união dos dois ocorreu, em um primeiro momento, somente na igreja. “O [casamento] civil veio depois e a minha sogra me disse ‘vocês casaram, mas ela fica em casa até você completar 18 anos’. Aí eu disse que então não íamos casar, pode levar sua filha, não tem compromisso mais. Ou eu levo ela comigo ou ela fica com a senhora para sempre. E foi bem assim a coisa”. Depois da conversa com a sogra, a situação se resolveu. “Casou comigo, vai comigo, ‘pelado’, mas fica comigo”.

No dia do casamento, em julho de 1949. Naquela época, não imaginavam que iriam percorrer uma estrada de amor e dedicação um com o outro.

O tempo passou. Amália teve quatro filhas com Alcides. A matriarca da família, de poucas palavras e um olhar carinhoso, se mostra, pelos gestos com o marido, ainda apaixonada. “Casamos, fomos viver juntos e estamos aí até hoje”. Moraram em Palmeira das Missões e depois de dez anos fixaram residência em Passo Fundo. Na mesma casa, no bairro Lucas Araújo, estão há mais de 50 anos. Hoje, com nove netos, Alcides e Amália concordam que é melhor ser avô e avó do que pai/mãe. “Não tem tanta responsabilidade”, dizem.

Já em Passo Fundo, Sacomori foi trabalhar como taxista. Com dois pontos de táxi na cidade – que ainda os mantém, mas com empregados – a profissão rendeu para Alcides uma participação especial em uma campanha publicitária de um vestibular da Universidade de Passo Fundo (UPF). O quadro, com a foto e os dizeres feitos na época, está emoldurado na parede da sala de casa.

“NÓS NUNCA BRIGAMOS”

Uma vida inteira juntos. Um amor que cresceu e amadureceu com o tempo. Uma das dicas do casal para manter um casamento duradouro é não brigar. Alcides e Amália, que preservam o amor com o mesmo brilho no olhar de 70 anos atrás, compartilham com os mais jovens a sabedoria adquirida ao longo dos anos. “Nós nunca brigamos, eu e a mulher, nunca. Fomos vivendo, com a piazada no meio, aquela coisa toda, a gente foi levando”, diz Alcides.

Sobre brigas e desentendimentos – que por vezes em alguns casais pode terminar em agressões físicas – Sacomori dá o recado: “o homem que surra a mulher não é homem. A mulher não foi feita para isso. Eu sou contra o homem que surra uma mulher”.

CASAL FESTEIRO

Por 12 anos, Alcides fez parte da diretoria do Clube Juvenil. Nesse tempo, bailes, festas, festas a fantasia, carnavais e viagens fizeram parte da rotina do casal, que conserva as lembranças em diversos álbuns de fotos, recheados de fotografias – algumas até em preto e branco – de momentos de diversão e alegria.

Festas, danças e muita diversão. A rotina do casal era de alegria, que adorava, segundo Alcides, ‘churrascos e muita cerveja’

Hoje, em um ritmo mais lento e com mais calmaria, a rotina do casal é dividida entre os afazeres domésticos e uma hortinha no quintal de casa, onde Alcides planta alface, tomate e outras verduras. “Ela fica só me espiando daqui e eu digo para ela da escada, ‘sobe’ e ela não vem, aí as vezes eu pego ela no colo e levo lá para cima, para ficar comigo na horta”, diz, sorridente.

70 ANOS ATRÁS E ATUALMENTE

Com sete décadas de bagagem, o casal conta que ‘muitas coisas mudaram’, principalmente a segurança – ou falta dela – nas cidades. “A vida inteira mudou, a vida de hoje não é a daquele tempo. Naquele tempo a gente podia sair nas estradas, ir a festas, não precisava ter medo de nada. Hoje, nós não podemos sair nem de dia não é seguro. É muito diferente. Naquele tempo o povo se gostava, um respeitava o outro era uma vida totalmente diferente”.

Diário da Manhã