Comportamento
Foto: tadamichi / stock.adobe.com

Que as dívidas tiram o sono de uma grande parcela de  brasileiros, isso ninguém duvida – no país, a Pesquisa de Endividamento da Serasa 2022 revelou que oito em cada 10 pessoas relataram dificuldades para dormir por causa delas. Porém, mais do que uma noite mal dormida, as contas, principalmente aquelas em atraso, colocam a saúde mental no vermelho e podem ser sintomas de outros transtornos. 

Surtos de pensamentos negativos são relatados por 78% dos entrevistados pelo levantamento da Serasa, enquanto 74% afirmam dificuldades de concentração para realizar tarefas no trabalho. E isso não é exclusividade do Brasil. De acordo com Wagner de Lara Machado, doutor em Psicologia e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul  (PUCRS), estudos demonstram que a preocupação com as finanças é a maior  causadora de estresse em vários países.

Para a também doutora em Psicologia Valéria Meirelles, autora de livros sobre psicologia do dinheiro e psicóloga da Serasa, a ansiedade é um dos primeiros sintomas da preocupação com as finanças. É fundamental considerar, porém, o perfil de cada família para entender o que pode estar por trás desse desequilíbrio financeiro. 

— Temos de pensar de quem estamos falando: da pessoa que tem uma boa renda, mas gasta muito, ou das famílias que vivem com salário bem apertadinho? Independentemente do  perfil, é necessário olhar para as contas de uma maneira realística. As dívidas fazem mal quando as pessoas perdem o controle do pagamento e entram no superendividamento — explica. 

Consumo

Meirelles argumenta que o  desequilíbrio nas contas pode ser  passageiro ou reflexo de um cenário  econômico, como preços e juro altos. Ou seja, com um ajuste (melhora na  economia e orientação financeira), a família consegue sair do vermelho. Por outro lado, as dívidas podem  ser sinal de transtornos mentais. O consumo compulsivo, por exemplo,  faz parte do código internacional de  doenças.

— Essa compra desenfreada pode ser relacionada às questões emocionais, circunstanciais ou até orgânicas e neurológicas. Geralmente, a pessoa acaba consumindo para compensar, o  que é conhecido como afeto negativo. Ficou triste, está ansiosa e utiliza a  compra para trazer uma espécie de  alívio — acrescenta a psicóloga. 

Segundo a educadora financeira Ana Paula Hornos, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – Instituto de Desenvolvimento Educacional, a oniomania (compra compulsiva) pode ser  identificada observando a regularidade e  as consequências dessas compras. Valéria Meirelles concorda e acrescenta que, depois de toda a transformação orgânica  que ocorre no momento do prazer de  adquirir, muitas vezes vem a sensação  de culpa e incompetência. Na pandemia,  diz, a oniomania aumentou porque as  compras ficaram ao alcance da mão. 

O professor Wagner de Lara defende que há um fetiche pelo consumo, quando este é impulsionado pelas redes sociais e pelo sentimento de pertencer a um determinado grupo.

— À medida que não consigo alcançar um padrão que a sociedade impõe, isso me gera um sofrimento. Muitas vezes a pessoa não está consciente, mas sabe que alguma coisa está faltando. Ela tenta preencher isso gastando o que não tem, mantendo uma ilusão e uma percepção  de que consumindo ela entra para o  clube — explica. 

Além do consumo compulsivo, é preciso também prestar atenção em  outros distúrbios, lembra Ana Paula Hornos. Ela cita os economizadores patológicos, workaholics,  presenteadores compulsivos, jogadores  ou investidores que lidam com  investimentos como se fossem apostas. 

Sem transtorno no casamento

Se as contas da casa não estão bem, a chance de o casamento ir de mal a pior também é grande. Conforme a pesquisa Saúde Financeira entre Casais, divulgada no mês passado pela  Serasa, 52% dos brasileiros concordam que a situação financeira impacta diretamente na vida amorosa. 

— O melhor caminho para solucionar divergências é o diálogo positivo. Estabelecer um canal de confiança, de autoconhecimento e conhecimento do par suficientes para estabelecerem acordos claros com respeito e transparência — afirma a psicóloga.

Ana Paula Hornos, lembrando que tratar o dinheiro como elemento de controle é prejudicial para a saúde do casamento. O estudo da Serasa também mostrou que o segundo motivo de separação  ou divórcio são os problemas financeiros (27%), perdendo apenas para falta de comunicação (41%). Para a psicóloga Valéria Meirelles, é importante que o casal se organize e  divida as contas de forma transparente. Mesmo que uma pessoa fique com a gestão, a outra precisa conhecer o orçamento e as despesas. 

O primeiro passo  é se organizar 

Especialistas são categóricos: sair do vermelho necessita de  exercício, organização e, é claro, terapia e ajuda médica – em casos nos quais a situação está  prejudicando muito o dia a dia da  pessoa. 

— A maioria acha que sabe lidar com o dinheiro. Então, eu sugiro que se tire um horário da  semana para cuidar dele. Mas, antes, é preciso identificar o que o dinheiro significa na sua  vida — destaca Valéria Meirelles, psicóloga do Serasa. 

A educadora financeira Ana Paula Hornos orienta que é fundamental fazer uma planilha de orçamento, exercitando a organização e acompanhando as próprias finanças. Segundo ela, é preciso controlar o lado emocional, para escolher sair da  negação, deixar de evitar o contato  com sentimentos dolorosos, encará-los e provocar a mudança. Ela prossegue e afirma que  também é necessário ter clareza do problema, conhecendo seus gastos e recursos. 

Dica da Giane Guerra: “Quando o consumo compulsivo é doença”

A doença do consumo compulsivo, chamada de oniomania, é fácil de identificar para quem está de fora, pois o comportamento de compra é assustador. Mas é difícil para quem tem o transtorno, pois tem efeito semelhante a bebidas e drogas, com um debate menos claro na sociedade. Há alguns anos, participei de uma reunião dos Devedores Anônimos. Na ocasião, ouvi relatos impressionantes das pessoas que estavam lá. Uma mulher tinha um apartamento apenas para esconder da família as compras que fazia. Outra entregou para a sobrinha o controle do seu dinheiro. Uma terceira tirava coisas do roupeiro para doar, tinha apagões e acordava com tudo guardado de novo. Elas buscaram ajuda, mas quantas perderam bens e familiares porque não perceberam que tinham uma doença?

Seja o primeiro a ficar informado!

Receba as notícias do Três Passos News no seu celular:

https://chat.whatsapp.com/CYtQhD1qe4yB6m766he19U

Gaúcha ZH